A condição humana é melancolicamente bela – anunciou Kjartan Ragnarsson ao filho Ragnar Kjartansson em uma noite de Natal. Artista mais novo a representar a Islândia na Bienal de Veneza, Ragnar, com seu jeito hipster, é o atual queridinho da trupe artsy. “Mas a tristeza não é necessariamente deprimente”, alerta ele, famoso por ridicularizar a figura romantizada do artista como herói cultural e transmitir emoções genuínas – mesmo em cena.
Final dos anos 1970. Os atores Kjartan e Guðrún Ásmundsdóttir atuavam em Morðsaga – primeiro longa feito na Islândia. Depois de uma cena de sexo na cozinha, Ragnar foi concebido. Nascia o homem que hoje dirige um cadillac branco , vestido como um dândi, fumando um charuto, escutando de Beyoncé a Bon Iver, passando por The Cure e Mozart.
Marcado pela lenda familiar, ele acaba de criar, para sua individual no New Museum, em Nova York (até 5 de julho), Take Me Here by the Dishwasher: Memorial for a Marriage. Transformou, assim, o diálogo da tal cena em uma polifonia tocada em looping por dez músicos ao lado da projeção muda do filme. Na mesma exposição, está Me and My Mother – curtas nos quais a mãe do artista cospe em seu rosto. “Fiz a primeira versão na faculdade, mas o professor me reprovou, pois minha mãe estava claramente atuando. Comecei, então, a pensar no termo "arcting", conta o islandês que, criado atrás das coxias, tem uma visão tênue entre vida e palco, realidade e fantasia. Os filmes? “Viraram uma tradição familiar muito saudável e recomendada por psicólogos”, brinca.
E se a mãe assume papel marcante em sua obra, Ragnar admira mulheres como Louise Bourgeois, Marina Abramovic, Sophie Calle e Roni Horn. Foi, no entanto, sua ex-mulher, a também artista Ásdís Gunnarsdóttir, a musa inspiradora para uma de suas mais belas obras:The Visitors, instalação de nove telas com imagens de seus amigos cantando My Feminine Ways – composta por Ragnar a partir de um poema que Ásdís escreveu antes da separação.
A repetição prolongada (das duas estrofes, por cerca de uma hora) é um recurso frequente na obra de Ragnar, o que transforma suas performances musicais em uma espécie de mantra transcendente. Não à toa, o interesse dele por rituais religiosos é notório. “Sou fascinado pela noção de destino e do pecado”, afirma. Arte contemporânea é a religião dos ateus? “Ambas, religião e arte, são calcadas na contemplação e nas nossas fraquezas. Elas têm o poder de tirar você do mundo e focar em outras coisas.”
O tema religioso, assim, aparece em trabalhos como Death and The Children,Satan is Real e God – performance que Ragnar vai reapresentar numa estação de São Petersburgo, durante a Manifesta 10, do dia 28 deste mês a 31 de outubro. Lá, as palavras “sofrimento, conquistas, felicidade”, ditas por Kjartan ao filho após beber além da conta em outro Natal, serão cantaroladas em russo por Ragnar, vestido à la Frank Sinatra, com uma orquestra ao fundo. "Aquelas palavras me marcaram muito e são perfeitas para o momento que a Rússia está vivendo”, aponta.
Em The End, peça da Bienal de Veneza de 2009, Ragnar passou seis meses no Palazzo Michiel del Brusà pintando um quadro por dia. “Decidi aproveitar essa oportunidade de maneira gloriosa, me dando esse ateliê estonteante de presente”, conta o artista, que fez 144 pinturas. “Bebíamos cerveja o dia inteiro, pois eu queria vivenciar a miséria masculina, já que acho minhas obras muito femininas. E eu pintava melhor assim!”,caçoa. Sobre a inserção da pintura – mídia mais tradicional das artes – plásticas em suas performances, explica:“Os dois gêneros parecem distantes, mas o ato de pintar é bastante performático. Montei um verdadeiro tableau vivant”.
* Matéria publicada em Casa Vogue #346 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)