Janeiro de 1994. A Art Forum publica um artigo sobre uma jovem brasileira que faria sua primeira individual em Nova York: “a exposição de Jac Leirner parece uma oblíqua homenagem à utopia do projeto neoconcretista brasileiro”, dizia o crítico Carlos Basualdo. Era o aval de uma das mais respeitadas revistas do mercado de arte depois de uma década de conquistas da artista, como a participação na Documenta de Kassel, em 1991, e na Bienal de Veneza, no ano anterior. Nessa época turbulenta, Jac recebeu um convite do galerista inglês Jay Jopling para fazer uma individual em sua White Cube. Ela havia participado de 36 exposições nos últimos cinco anos (entre elas, seis individuais) e já planejava a gravidez de Marcelo, único filho, com o artista José Resende. Não podia aceitar. Vinte anos se passaram e o namoro finalmente virou casamento: ela apresenta Hardware Silk, até 6 de julho, na sede londrina da galeria.
A primeira coisa que se nota ao entrar na casa de Jac Leirner, em uma silenciosa rua no Pacaembu, em São Paulo, é uma sensibilidade rara para dispor as telas e esculturas: não se assuste ao ver um perfex com a frase “Life is perfex”, de Adriano Costa, no canto superior da sala, quase no teto, ou uma Ana Mazzei ao lado do interruptor. Os lugares escolhidos são inusitados, mas parece que as obras nasceram para estar ali. “Sei que cada trabalho precisa de espaço para respirar e eles devem se conectar entre si de alguma forma”, afirma.
Essa relação íntima com a arte pode ser explicada por Jac ter crescido em meio a nomes de peso da arquitetura, do design e da arte. Foi com David Libeskind, responsável pelo projeto da casa de 1959 onde nasceu e vive, que aprendeu sobre arquitetura. Com Waldemar Cordeiro, Hélio Oiticica, Lygia Pape e Alfredo Volpi – seus pais, Fúlvia e Adolpho Leirner, foram dos maiores colecionadores de arte construtiva do país –, entendeu a arte brasileira. E até hoje convive com os móveis de Joaquim Tenreiro, Sergio Rodrigues, Paulo Mendes da Rocha e John Graz, herdados de seu pai e sua avó.
Sacos para vômito, caixas de cigarros ou cartões de visita. Se sua obra desenvolve-se a partir de uma coletânea de histórias, sua casa também. Uma Mira Schendel foi presente de 18 anos, a chaleira da cozinha foi roubada da Swiss Air e o tapete veio sob encomenda, do Nepal: “Papai foi à feira do Bexiga e trouxe um tapete todo destruído de presente, como se fosse uma joia. Guardei o original e mandei fazer outro com o mesmo desenho”, conta a artista, que teve o mesmo cuidado com o tapete do hall, desenhado pelo ex-marido, José Resende. “O original está muito frágil e achei melhor preservar essa relíquia da década de 60.”
Cheia de humor, ela se orgulha mesmo, entre tantas obras dignas de museu, é de sua mesa de pingue-pongue. “É chic poder ter uma dessas na sala”, brinca. Ex-professora da Faap, ela admira não só os figurões que são seus novos parceiros de galeria, como Gilbert&George ou Gabriel Orozco, mas também jovens como Daniel Steegmann, cujo livro fica sobre a mesa de centro. Ao lado de uma das obras, uma dedicatória que aponta para a figura com a frase: “Esta é sua, Jac”. Walter Benjamin diria: Casa, obra ou persona... O que não falta na vida de Jac é aura.
* Matéria publicada em Casa Vogue #334 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)