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O que é design emocional?

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O que é design emocional? (Foto: Divulgação)

 

"Os objetos devem nos fazer companhia”. A ótima frase do mestre Achille Castiglioni já dava uma pista sobre o papel dos artefatos ao nosso redor. Para além da funcionalidade, eles interferem em nosso cotidiano de vários modos: podem nos alegrar, divertir, irritar, acalmar, encantar...Embora os designers sempre tenham lidado com os sentimentos das pessoas, o processo acontecia de maneira bastante intuitiva. Só recentemente essa ligação ganhou relevância a ponto de se tornar tema de pesquisa. “O design emocional surgiu na década de 1990, a partir de uma série de estudos que o relacionavam com as neurociências e
as ciências humanas, em especial a psicologia. Então, os profissionais foram buscar teorias e ferramentas para projetar como objetivo específico de despertar alguma emoção em particular”, afirma Leandro Tonetto, professor da Unisinos (RS) e membro da Design Research Society.

 

O que é design emocional? (Foto: Divulgação)

 


Dentre as investigações nesse campo, a mais difundida é a do norte-americano Donald A. Norman. No livro Design emocional: por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia a dia (Ed. Rocco, 322 págs.), ele enfatiza a importância dos fatores emocionais para o sucesso de um produto e identifica três dimensões (visceral, comportamental e reflexiva) presentes em qualquer item, ainda que em graus diferentes e interações variadas.

O que é design emocional? (Foto: Divulgação)

 

O design visceral guarda conexão direta com as aparências, como impacto imediato, e é relativamente acultural. “Nós, humanos, evoluímos para coexistir no ambiente de outros humanos, animais, plantas, paisagens, clima e outros fenômenos naturais. Como resultado, estamos perfeitamente sintonizados para receber sinais emocionais poderosos do ambiente, que são interpretados automaticamente no nível visceral. (...) Quando percebemos algo como ‘bonito’, esse julgamento vemdiretamente do nível visceral”, escreve Norman.

O que é design emocional? (Foto: Alessandro Milani/divulgação Alessi)

 

Pense no iMacG3, lançado pela Apple em 1998: sua carcaça de linhas arredondadas e plástico translúcido colorido gerou um “efeito uau” que rapidamente o transformou em hit. Já o design comportamental se refere à performance do produto e à sensação que temos ao interagir com ele. “Muitos designers se concentram na aparência visual, em parte porque é o que pode ser apreciado à distância e (...) vivenciado em uma fotografia (...). Tocar e sentir, no entanto, são essenciais para nossa avaliação comportamental”, prossegue o autor.

O que é design emocional? (Foto: Stefan Kirchner/divulgação Alessi)

 

O design reflexivo, por fim, diz respeito à “parte contemplativa do cérebro”. Ele “cobre um território extenso. Por um lado, tema ver como significado das coisas, as lembranças pessoais que algo evoca. Por outro lado, muito diferente, é sobre a autoimagem e a mensagem que um objeto envia para os outros.” A decisão de optar por uma aquisição ecologicamente amigável, por exemplo, decorre deste vetor.

O que é design emocional? (Foto: Stefan Kirchner/divulgação Alessi)

 

Outra teoria que se destaca é a do britânico-americano Patrick W. Jordan. No livro Designing pleasurable products (CRS Press, 226 págs.), ele aborda quatro tipos de prazer que influenciam o desenho das coisas: fisiológico (do corpo e dos sentidos), social (ligado às relações com os outros), psicológico (associado às reações e ao estado dos consumidores durante o uso) e ideológico (concerne aos valores dos indivíduos).

O que é design emocional? (Foto: Divulgação)

 

O holandês Pieter Desmet, por sua vez, desenvolveu a abordagem do Positive Design, uma série de metodologias para apoiar criações que intencionalmente promovam experiências agradáveis. Resumidamente, há três pilares: design para o prazer (felicidade derivada do ato de aproveitar o momento), para o significado pessoal (perseguir objetivos próprios) e para a virtude (ser moralmente bom).

O que é design emocional? (Foto: Divulgação)

 

ESCOLHA PELA EMOÇÃO
Independentemente da linha de pesquisa, percebe- se uma compreensão ampliada do produto, que supera a dobradinha forma/função. Em alguns casos, as qualidades estéticas ou simbólicas adquirem até mais peso. Talvez o exemplo mais famoso seja o espremedor Juicy Salif, de Philippe Starck, que estampa a capa de Design emocional. Num trecho do livro, Norman fala de sua empolgação ao arrematar a versão comemorativa de 25 anos, banhada a ouro e  acompanhada de um aviso para que não fosse utilizada, pois a acidez do limão danificaria o acabamento. “Comprei um espremedor caro, mas não posso usá-lo para fazer suco. E daí? Orgulhosamente, exibo o espremedor no hall de entrada da minha casa. Nota cem para a atração visceral. Nota cem para a atração reflexiva.”

O que é design emocional? (Foto: Divulgação)

 

Os princípios subjetivos merecem atenção até mesmo da indústria, como aponta a designer Baba Vacaro, diretora criativa da Docol e da Dpot: “Um produto precisa dispor de boa qualidade técnica, mas acredito que a relação emocional que se trava entre ele e o consumidor é, hoje, uma das facetas mais consideráveis, é o que move as pessoas a quererem tê-lo. Você não compra só o objeto, mas também suas narrativas e tudo aquilo que está associado a ele.”

Nesse cenário, os designers solucionam problemas formais e funcionais, e ainda atuam como contadores de histórias, conforme aponta Deyan Sudjic no livro A linguagem das coisas (Ed. Intrínseca, 224 págs.): “Os objetos são (...) o que usamos para nos definir, para sinalizar quem somos e o que não somos. Ora são as joias que assumem esse papel, ora são os móveis que usamos em nossas casas, ou os itens pessoais que carregamos conosco, ou as roupas que usamos. E o design passou a ser a linguagem com que se molda esses objetos e confecciona as mensagens que eles carregam.” Como não pensar, aqui, na icônica máquina de escrever Valentine, criada por Ettore Sottsass e Perry King para a Olivetti em 1968? Além do visual impactante, ela era muito bem-resolvida funcionalmente, mas o que a eternizou foi seu apelo emocional. “Ela foi inventada para manuseio em qualquer lugar, exceto num escritório, não para lembrar ninguém de monótonas horas de trabalho, mas, sim, para acompanhar poetas amadores em domingos tranquilos no campo ou proporcionar uma presença altamente colorida sobre a mesa em um apartamento”, disse Sottsass certa vez. A máquina deixou de ser um equipamento anônimo e ganhou personalidade própria.

A memória afetiva também é capaz de conferir essa mesma aura. Neste caso, nos afeiçoamos não à coisa em si, mas ao que ela representa, como revela Sudjic neste depoimento sobre outra máquina de escrever: “Ainda tenho a portátil de meu pai. (...) A ferrugem uniu suas teclas, a campainha emperrou e o ‘e’ minúsculo perfurou a fita esfarrapada em vários lugares. De um ponto de vista prático, ela é totalmente inútil. Mas ainda não consigo jogá-la fora (...). Desfazer-me de uma peça inútil para a qual fico sem olhar anos a fio é, de certa forma, me desfazer de parte de uma vida.” Neste exemplo, existe uma condição extremamente pessoal, que independe do produto. Mas, em outras circunstâncias, invocar lembranças desse tipo pode funcionar como elemento de projeto.

 

Por fim, o design emocional ajuda a prolongar o ciclo de vida dos objetos. “Você não consegue descartar rapidamente aquilo que te toca. A meu ver, esse é um caminho em direção à sustentabilidade”, avalia Graziela Nivoloni, professora do Istituto Europeo di Design (IED). “Há um movimento para conectar o consumidor de maneira mais afetiva aos produtos”, concorda o designer Guto Requena. Há alguns anos, ele vem trabalhando em propostas que não apenas partem de narrativas e sentimentos como buscam materializá-los por meio da tecnologia. É que faz o Heartbits (aplicativo pelo qual uma pessoa grava seus batimentos cardíacos e os envia a outra) e do pendente Aura (modelado por design generativo a partir do áudio de uma história de amor). Que essa ampliação de horizontes contribua para que, cada vez mais, os objetos venham nos fazer companhia, como previram os maestri Castiglioni e Sottsass.


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