Em La Pausa, a vila de veraneio de Coco Chanel, mademoiselle levava os dias na calma, segundo contava quem passou ali alguns verões com ela, como o designer Fulco di Verdura e o dândi Jean Cocteau. São de lá as únicas fotos da estilista de calça comprida, à vontade, com Gigot, seu dogue alemão. Na casa, cores neutras, nenhum fru-fru, apenas o essencial em espaços amplos de pé-direito alto, dando para a Riviera Francesa.
Nas refeições, nada de serviço à francesa – um buffet, novidade que aprendeu em um dos castelos de Bendor, seu Duque de Westminster particular, que lhe presenteou La Pausa, nome mais que perfeito para um refúgio da mundanidade. Em 1930, a vila foi parar nas páginas da Vogue americana: “Mademoiselle Chanel é puro requinte, o que vem dela é sempre impecável”.
Avançando no tempo, do lado de cá do Atlântico, no cume da falésia no condomínio Altos de Trancoso, Bahia, esta casa de praia, criação da arquiteta Debora Aguiar, tem pontos em comum em sua rusticidade contemporânea com a vila construída por Chanel. O mobiliário é o essencial, confortável e minimalista. As cores são neutras e da natureza. A ala social, voltada para a brisa do mar, tem pé-direito de 4,5 m. Neste refúgio baiano, a área construída de 592 m² foi implantada em “L”. A perna menor, dando para a piscina e para a vista, abriga o living, a cozinha gourmet e a suíte máster. Na perna maior, cinco suítes voltadas para o jardim lateral.
Neste projeto híbrido que concilia a linguagem nativa de cores e texturas naturais com uma narrativa urbana, como se vê na automatização de som, vídeo e iluminação, mais três fatores incrementam a personalidade da obra de Debora.
O primeiro, a madeira. A começar pelos pilares da fachada, ela se faz presente em soluções arquitetônicas pontuais e também no mobiliário, rendendo ao todo uma aura praiana de pura paz. O outro ponto cardeal é o revestimento ecológico de piso, forro e paredes internas e externas, no tom da areia da praia, desenvolvido a pedido da arquiteta, mimetizando a construção à paisagem e inspirando seu nome: Casa Areia. O terceiro, fundamental na arquitetura sustentável, é o aproveitamento da luminosidade solar que banha todos os cantos. “Gosto de explorar a luz natural e trazer o verde para dentro”, diz Debora.
Os móveis trazem um tempero de conforto com ginga brasileira. No living, representando o traço futurista inimitável de Oscar Niemeyer, um par de chaises-longues Rio (1978), para embalar o cochilo depois da moqueca de lagosta. No mesmo ambiente, no nicho da cozinha gourmet, a elegância de quatro cadeiras de braço Oscar (1956), de madeira e palhinha da Índia, que Sergio Rodrigues criou em homenagemao amigo arquiteto. É o que se chama de uma troca de delicadeza no design.
Um exemplo de outra vertente do bom desenho nacional está no par de poltronas Astúrias (2002), de peroba-rosa, baixinhas, robustas e de balançar, do designer-surfista Carlos Motta, no varandão que avista o mar. O espaço tem uma estrutura de encaixes de madeira, com pergolado metálico, coberto de vidro e forrado de esteira de piaçava, velha conhecida do Brasil rústico, profundo, que dá uma sombra bonita, estriada, convidativa àquela malemolência boa para namorar.
* Matéria publicada em Casa Vogue #347 (assinantes têm acesso à edição digital da revista).