Como nasce uma lenda? Existe uma fórmula para o sucesso? Quem dera poder perguntar a Giuseppe Cipriani (1900-1980), fundador do Harry’s Bar em Veneza (spot preferido de Orson Welles e Ernest Hemingway) e inventor, em 1948, do Bellini e do carpaccio. A trajetória de Cipriani começou em 1931, quando, ainda garçom, animou-se por um empreendedorismo descomunal e realizou o sonho de abrir seu próprio estabelecimento. Localizado no primeiro andar de um armazém abandonado em um canal sem saída perto da Piazza San Marco, o Harry’s mais parecia um restaurante veneziano típico. Porém, o cuidado com os detalhes, a decoração estudada e o conceito de “servir a todos como você gostaria de ser servido” fizeram do bar um destino procurado por uma clientela eclética e refinada. Intocado desde 1931 e considerado agora um landmark pelo Ministério da Cultura italiano, sua famosa atmosfera relaxada, ótima comida e atendimento atencioso já fascinaram astros de Hollywood, realezas, artistas e pessoas de diferentes cantos do mundo.
Passados 83 anos da fundação, o nome Cipriani tornou-se um império da hospitalidade que inclui restaurantes, espaços para eventos, condomínios residenciais de luxo, hotéis e clubes espalhados por variados continentes. Hoje, a terceira geração de Ciprianis tem negócios em Veneza, Nova York, Miami, Los Angeles, Abu Dabi, Hong Kong, Istambul, Bodrum, Porto Cervo, Monte Carlo e Ibiza. Pois, então, qual seria o segredo do sucesso? Segundo Giuseppe Cipriani, neto do fundador, é uma mistura de valores “eternos”, como o amor pelo serviço, a ausência de imposições ou frases fixas, e uma culinária simples, igual em todos os restaurantes Cipriani.
“Além de certa alegria natural que faz com que nossos clientes voltem para casa com alguma lembrança a mais e sempre queiram retornar”, acrescenta, orgulhoso, o herdeiro. Giuseppe sabe do que fala. Ele administra os negócios da família com o pai Arrigo e seus filhos Maggio e Ignazio, o que inclui alguns dos grandes restaurantes italianos dos Estados Unidos. Na badalada ilha de Ibiza, Giuseppe é dono de um restaurante, de uma boate – e desta linda residência. Nela, ele aplica os mesmos conceitos responsáveis pelo êxito dos seus estabelecimentos.
A “luxuosa simplicidade” típica da marca Cipriani parece definir bem seu refúgio. Construída no topo das colinas no centro da ilha, a morada possui vista panorâmica para o mar Mediterrâneo. Logo na entrada, a fachada, o portão, a estrutura e o teto horizontal não deixam dúvidas sobre a inspiração mourisca do projeto. A lembrança da presença árabe no sul da península Ibérica é retomada em todos os recintos. É o caso, por exemplo, dos elementos com formas de estrelas nos azulejos do andar de cima e no teto do dormitório. Ou ainda dos motivos geométricos de estofados e revestimentos, das lanternas transformadas em arandelas ou luminárias suspensas, das portas e janelas coroadas por arcos. Os espaços são amplos, arejados, aconchegantes. Uma sutil elegância permeia os ambientes de forma quase imperceptível. Quem sabe a chave não seja essa. Talvez o sucesso dos Cipriani esteja não apenas no que pode ser visto ou tocado, mas naquilo que se sente. No intangível, embora palpável. Algo impossível de patentear, mas que, após mais de 80 anos, ainda não foi repetido por ninguém.
* Matéria publicada em Casa Vogue #348 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)