“Sou fã de Hitchcock!” Assim Paulo Bruscky mencionou o desejo de realizar uma performance onde não seria o centro do acontecimento – diferente das ações com as quais se envolveu desde os anos 1970. O artista imitou o andar e a pose do cineasta inglês em uma das aparições costumeiras de suas gravações, na qual passeia discretamente frente à câmera. Em meio à miríade de objetos, livros, fotos e filmes que compõe as obras da exposição Paulo Bruscky: artist books and films (1970-2013), na Galeria Nara Roesler até 18 de outubro, Bruscky resgatou histórica, política e poeticamente seu legado artístico, que dura aproximadamente 40 anos. E ainda revelou o futuro: homenagearia o diretor no ato A Plateia (Paulo Hitchcock, 2014), no Auditório Lina Bo Bardi, como parte da exposição Paulo Bruscky, que acontece no MAM-SP até 14 de dezembro.
Com curadoria da londrina Clara Kim, que trabalha de forma independente, a exposição configura a espinha dorsal da carreira de Bruscky. Cartões telefônicos, colagens de revista, bulas, diários e outras efemeridades dão forma à cerca de 100 livros de artista que concretizaram suas abstrações sobre política, vida, morte e arte, entre tantos outros temas. Destaque para a obra Detalhes coletivos de conversas por telefone (1963), um caderno que ele deixava, de propósito, em cima de sua mesa de trabalho, para que toda vez que alguém utilizasse o aparelho, anotasse ali recados, nomes e lembretes. É a primeira mostra também dedicada aos filmes super 8 do artista – o formato cinematográfico lançado em 1965 pela Kodak tem película granulada, típica de filmes caseiros antigos – além de sua segunda individual na Nara Roesler. Poema (1979), por exemplo, foi produzido utilizando as pontas cortadas de um rolo de super 8 com marcações do fabricante.
Também são exibidas cenas produzidas a partir de 1982, quando Paulo ganhou o Guggenheim Fellowship, oferecido como um prêmio de meio de carreira para quem demonstrou excepcional capacidade e habilidade nas artes. A premiação possibilitou a produção de novos vídeos e, claro, uma nova relação com o mundo: mudar-se-ia para Nova York. Conheceu e participou dos grupos Fluxus e Gutais, mediando seu contato com o Brasil. “É possível, através dos ângulos, imagens e situações, perceber que ele ficava com a câmera de mão o tempo inteiro”, diz a curadora.
A exploração da linguagem e da comunicação aparece também como recortes de críticas de jornais do início de sua carreira, ou como o convite da performance-livro-pão Como Ler (1974), na qual os visitantes comiam um livro impresso em massa de pão feito na recifense Padaria Nabuco. O convite para o café – e lançamento do livro – avisava que o pão utilizava “tinta licenciada pelo Ministério da Saúde.” Leonhard Frank Duch, artista que gravou com Bruscky o filme Via Crucis (1979), escreve no memorando: “comi também um A e um Z sob os aplausos alegres e aprovadores de todos. Surpreendentemente não fez mal a ninguém”.
“Minha metodologia é desfacelada”, explica o artista, que utilizou fotocopiadoras, máquinas heliográficas, selos e carimbos postais para criar suas obras. Aproveitou também os equipamentos médicos do hospital Agamenon Magalhães, onde trabalhou vários anos como forma de sustento, para elaborar as composições encefalográficas da série O meu cérebro desenha assim (1976), recentemente adquirida pelo MoMA e transformada em performance inédita para o MAM-SP. Os instrumentos, operados ao vivo por um neurologista e um técnico, farão o exame no artista, mostrando como funciona a mente de Bruscky.
Pernambuco, onde nasceu em 1949 e permaneceu durante grande parte de sua carreira, é um importante pano de fundo político para sua arte. Longe de São Paulo e do Rio de Janeiro, desenvolveu performances polêmicas – lembradas através de fotos e livros de artista – como Arte Cemiterial (1971), onde encenava seu próprio cortejo fúnebre e Ponte da Boa Vista em Arte/Pare (1973), onde interrompeu o trânsito para ocupar e protestar artisticamente. As ações, de natureza perturbadora, não passavam despercebidas pelas autoridades. Preso três vezes durante suas performances, disse que, “sem dúvida alguma, faria tudo de novo”.
E fez. A mostra Paulo Bruscky, que tem curadoria de Felipe Chaimovich, além das esculturas, instalações, fotografias e documentos, materializará feitos que o artista cultiva em seu caderno de ideias. “Bruscky pode demorar anos até que uma instrução manuscrita seja realizada, e o museu terá a oportunidade de fazer algumas delas”, afirma o curador. Serão diversas performances e instalações, como Fogueira de Gelo (1974-2014), composta por gelo natural e colorido com sabor, disposta na entrada para degustação do público. Tudo tem caráter de continuidade: Quadro de Aviso/Work in Progress (2014), um mural de cortiça, receberá obras através do correio ou pessoalmente e serão afixadas por Bruscky até o final da exposição, e as performances serão transformadas em vídeos e fotos e exibidas na mostra. Enfim, arte de ontem, hoje e amanhã.
Paulo Bruscky: artist books and films (1970-2013)
Data: até 11 de outubro
Local: Galeria Nara Roesler
Endereço: Avenida Europa, 655, São Paulo, SP
Horário: de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 15h
Entrada gratuita
Paulo Bruscky
Data: até 14 de dezembro
Local: Sala Paulo Figueiredo, Museu de Arte Moderna de São Paulo
Endereço: Parque do Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº - Portão 3)
Horário: de terça a domingo, das 10h às 17h30
Entrada gratuita