Para o designer americano Stephen Burks, o luxo não está em exibir estampas e etiquetas de marcas tradicionais, mas em viver cercado de peças criadas à mão, com atenção aos detalhes e ao contexto onde são produzidas.
Considerado um dos profissionais mais criativos de sua geração - com trabalhos para marcas como Capellini, Moroso e Dedon -, Burks desembarcou nesta semana no Brasil com seu mais novo lançamento, a luminária Anwar, criada para a marca Parachilna. A peça, que está à venda na Pontoluce, é feita com 92 hastes de aço montadas manualmente por uma oficina na Espanha.
Em entrevista exclusiva à Casa Vogue, o designer conta que o trabalho demanda um dia inteiro, e que sua ideia original contava com mais hastes, o que não foi possível após veto dos artesãos que o acompanham. "Seria impossível encaixá-las de maneira harmônica", disse ele.
Orgulho do fato de ser um elo entre a cadeia que une artesãos, empresas e consumidores de luxo, Burks faz questão de explicar que seu trabalho não se trata de reproduzir objetos étnicos. "Sou um modernista", explica ele. "Mesmo que o produto seja feito, por exemplo, na África do Sul, meu objetivo é encontrar um jeito de distribuí-lo ao redor do mundo, uma voz que ressoa no universo do design contemporâneo."
Veja o bate-papo com Burks, que recebeu a reportagem com o melhor do artesanto fashion, uma bata e uma sandália de dedo, e revelou o desejo de encontrar parceiros para projetos com artesanato no brasileiro.
Por que essa luminária tem o nome do seu filho?
A única relação com meu filho é que, além do fato dele ter um belo cabelo volumoso e encaracolado, Anwar significa luminoso em árabe. A luminária tem a ver com pegar esses fios de barbante ou feixes de corda e desenrolá-los, separá-los até que se abram, permitindo luz e transparência.
Você estudou na modernista escola New Bauhaus, em Chicago, e agora trabalha com artesanato...
Muita gente diz que o meu trabalho é sobre a África, ou essa estética do mundo em desenvolvimento, mas na realidade, sou um modernista, fascinado pelo momento da história no qual o modernismo estava olhando pra fora da Europa em busca de inspiração. Se você olhar o trabalho de Isamu Noguchi, Jean Prouvé, e mesmo os Eames, todos exploraram novos territórios em busca de uma visão mais pluralista do design. Minha fascinação com o trançado, por exemplo, não tem tanto a ver com a técnica da cestaria, mas com a percepção da linha como estrutura - para mim, uma estética muito modernista.
E como iniciou seu interesse pelo artesanato?
Quando me graduei, os estudos da Bauhaus estavam muito enraizados no que poderíamos fazer combinando as mãos e as máquinas. Fui, provavelmente, a primeira geração a aprender a desenhar com o computador. E em 2004, fazer meus primeiros objetos ready-made, os vasos Patchwork para a marca Missoni, que eram essencialmente objetos reciclados, foi um retorno ao manual para mim. Depois disso, viajei para a África do Sul, em 2005, e foi o imediatismo da fabricação que me fascinou. A ideia de que design é universal, algo do qual todo mundo é capaz, independente do seu nível de educação. Para mim, essa noção era muito bauhausiana e o fato de essas pessoas sem educação formal fazerem design traduzindo qualquer material cru em algo bonito... Essa combinação foi algo que me atraiu muito.
Você constrói uma ponte muito boa entre o artesanato e a indústria. Como você faz isso?
Acho que é importante reconhecer no quê as empresas estão enraizadas. Se você entende a marca para a qual projeta, trabalha menos como um autor e mais como um colaborador. Acho que esse é o modelo do século 21 de designer, no qual você encontra mais oportunidades de desenvolver não sua própria linguagem visual, mas também a linguagem visual da empresa para a qual você trabalha. Para mim, o designer é só mais um colaborador, como o artesão.
Como o artesão entra nesse jogo?
Ele é o elo perdido eu acho. É o componente-chave que traz autenticidade e luxo ao design. Não existe muito luxo em uma fábrica que estampa alguma coisa em uma máquina. Nem um mesmo. O luxo está, eu acredito, na relação entre o material cru, a cultura e o artesanato. Muitas cooperativas de artesãos criam produtos luxuosos e caros, mas pouco desse valor chega às suas mãos. O design pode ajudar a mudar essa situação? Sim. Fazer design não é só projetar um produto, mas também um jeito de fazer, um sistema.
Você tentar ser regional nos seus projetos com as comunidades?
Tento ser global com os projetos que faço regionalmente. Mesmo que uma coisa possa ser produzida na África do Sul, o objetivo é encontrar um jeito de distribuí-la ao redor do mundo.
Você já disse que não pensa primeiro no material, mas na comunidade. Poderia explicar melhor?
No caso dessa luminária, a equipe da Parachilne me contou quais habilidades tinham à mão, e o trabalho em metal era uma delas. No caso das cestas-luminárias produzidas no Senegal, esse projeto veio do meu relacionamento com a comunidade. Tento deixar um pouco de espaço no qual o artesão possa fazer uma verdadeira colaboração para o projeto.
Você conhece o design brasileiro que se mistura ao artesanato?
Estou procurando maneiras de trabalhar no Brasil com artesãos, se possível. É claro que estou familiarizado com o trabalho dos Campana e figuras-chave do design brasileiro, como Sergio Rodrigues e Niemeyer, mas não sei o que anda acontecendo hoje. Sabe, não sei como poderia implementar minha estratégia do feito à mão no Brasil, mas adoraria.
O que designers de luxo podem aprender com artesãos?
Acho que um erro nosso é essa polarização constante entre rico e pobre, high e low, local e global. O design com D maiúsculo é exclusivo demais.A fonte de desenvolvimento do design europeu tem muitas raízes no artesanato. Se você olhar na Itália do pós-guerra todas as marcas líderes eram empresas familiares, que se desenvolveram a partir de uma técnica particular. Missoni, por exemplo, foi fundada em 1953 com tecelagem. Então, por que não se perguntar sobre o que pode acontecer nos próximos cinquenta anos nos países da África, Ásia ou América do Sul se pegarmos as tradições artesanais e as estendermos ao futuro, combinando-as com o design?