A varanda de onde se avista o Douro marca o passar das horas na Quinta de Covela. “Gosto de admirar o rio todas as manhãs, para começar bem o dia, e de voltar ali à noite. Esse se tornou um ritual para mim”, conta Tony Smith. Afora essa, não há muitas rotinas na propriedade de 34 hectares a cerca de uma hora de viagem do Porto, onde são produzidos vinhos orgânicos de uvas como touriga nacional, chardonnay, cabernet sauvignon e arinto. “A agenda varia bastante aqui, conforme o período em que se está da produção e as visitas de compradores”, diz Tony, nascido em Manchester, na Inglaterra, e bastante acostumado a mudanças: em sua carreira como jornalista, morou no Leste Europeu, na Espanha, na África e no Brasil.
Nenhuma mudança, no entanto, foi tão significativa como a empreendida em 2011, quando transformou o gosto por bons vinhos em negócio e trocou os 11 milhões de habitantes de São Paulo, onde foi diretor de projetos especiais das Edições Globo Condé Nast, que edita a Casa Vogue, pelos 640 moradores de São Tomé de Covelas.
Em parceria com o empresário brasileiro Marcelo Lima, igualmente apreciador da bebida, o jornalista comprou a Quinta de Covela, ocupada pelos vinhedos e por diferentes conjuntos arquitetônicos: ruínas de um edifício do século 16, construções de pedra com quase 200 anos de história e um trio de moradias assinadas pelo arquiteto português José Paulo dos Santos. É da varanda de uma dessas caixas de concreto branco, bem ao estilo da chamada Escola do Porto – movimento que aposta no traço monumental minimalista e do qual fazem parte dois ganhadores do prêmio Pritzker, Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura –, que Tony se dedica a contemplar o Douro.
Mesmo independentes, as três casas de 270 m² (uma delas reservada a hóspedes) compartilham traços em comum: além do terreno, o pendor pelo bom design. Com o olhar treinado de quem passou anos à frente de revistas de estilo e décor, Tony escolheu para a sua morada móveis e objetos de nomes como Patricia Urquiola, Jaime Hayon e Antonio Citterio. Marcelo, que mora no Brasil e passa temporadas em São Tomé de Covelas, preferiu Marc Newson, Vico Magistretti e Jasper Morrison – além da obra que Gaetano Pesce fez em homenagem à Casa Vogue.
O contraste entre a paisagem rural chic e o estilo contemporâneo fica ainda mais evidente na comparação entre as construções novas e a sede da quinta, erguida no século 19 e reformada nos anos 1960 por um antigo proprietário, o cineasta português Manoel de Oliveira. Ali, trabalham as equipes que produzem os vinhos e Ana Bela, a chef que encanta Tony e os convidados com iguarias como cordeiro assado no forno a lenha e torta de laranja – fruta também colhida na propriedade onde plantam-se, ainda, limões, cerejas, mirtilos, framboesas e marmelos.
Nas folgas de Ana Bela, a dica é jantar no restaurante do vilarejo, comandado pelo chef Toninho, ou manobrar as próprias panelas na cozinha de casa, cenário no qual esse inglês prova que absorveu bem os conhecimentos adquiridos nas andanças pelo mundo. “Preparo um ótimo goulash e uma deliciosa feijoada de gambas, que leva feijão branco e frutos do mar”, conta ele, que, nas noites de verão, prefere jantar no pátio interno da moradia, sob o céu coalhado de estrelas, antes da visita à varanda que marca o fim de mais um dia.
* Matéria publicada em Casa Vogue #335 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)
As imagens vistas até aqui retratam a casa de Tony Smith. Abaixo, seguem as fotos das construções mais antigas do terreno, que datam do século 16, do vinhedo e do interior do lar do empresário brasileiro Marcelo Lima.