O apartamento dos anos 1960, em Ipanema, é tão personalizado que ganhou até nome: Mid Century Industry in the Tropics. Para o morador, um cineasta, vem bem a calhar. O nome surgiu como uma brincadeira entre ele e o arquiteto Beto Figueiredo, do escritório carioca Ouriço Arquitetura, responsável pela reforma. Ou, como ele prefere dizer, “fizemos uma reforma e também uma maquiagem”. Isso porque o imóvel de 140 m² é alugado e não pedia mesmo grandes intervenções.
Derrubada a parede entre a cozinha, que era enorme, e a sala, bem menor, surgiu um espaço em que living, escritório e cozinha estão conectados, mas podem ser isolados pelas portas de madeira desenhadas pelo Ouriço. Restavam as decisões pontuais, da pintura ao mobiliário. Como Beto tinha voltado havia pouco de Nova York e estava com as imagens de peças industriais dos anos 1950 e 1960 fresquinhas na memória, propôs a ideia ao proprietário, que embarcou na viagem.
Os dois voaram para a Big Apple com o olhar focado em tudo o que tivesse essa linguagem. Foi uma semana entrando em brechós, revirando lojas e esquadrinhando feiras, como a que acontece no Brooklyn aos sábados. “Não nos concentramos numa área específica. Fomos de Tribeca ao Brooklyn. A intenção era que tudo conversasse entre si, que houvesse uma harmonia, mas não queríamos nada combinando”, contou Beto. A mesa de jantar, por exemplo, tem pé de madeira e tampo de chapa de ferro, é cercada por cadeiras italianas da década de 1960 e sobre ela pendem lustres que vieram de outro lugar, mas com a mesma pegada industrial. No todo, o apartamento tem de fato essa identidade que lhe permite um título.
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Na sala, duas paredes ganharam, mui ousadamente, tinta preta. As estantes, que deveriam abrigar uma multidão de livros, foram desenhadas pelo escritório em chapas de ferro finíssimas. E pintadas de preto. “Queríamos que os livros dessem a sensação de flutuar no espaço”, disse Beto. Também o móvel que apoia a TV foi pincelado de preto, fazendo a tela desaparecer no fundo escuro. Em tudo há uma surpresa, além da rusticidade da linguagem industrial, da madeira crua, dos tapetes persas raspados e tingidos. A elegância vem justamente do que não veio ao mundo para ser “bonitinho”, mas para mostrar a dignidade do desenho simples e do material nem sempre tão nobre. Todos os cômodos exibem essa intenção: os dois quartos, o home office (que era o terceiro dormitório na planta original), os banheiros e a cozinha, que ganhou tacos de peroba-do-campo para acompanhar o piso da sala.
Noves fora, 90% das peças vieram desse garimpo intensivo em Nova York. E tudo, embora diferente, converge para um só ponto, das luminárias ao piano da República Tcheca, do Pancetti em autorretrato (com a praia de Cabo Frio como fundo) ao espelho da sala, executado a partir de uma janela retirada em uma reforma do Flatiron Building, o primeiro arranha-céu construído em Manhattan, esguio e icônico. O resultado, como se vê, é masculino e sóbrio. “Mesmo sendo no Rio, o apartamento é mais noite do que dia”, descreve Beto Figueiredo. Hora ideal, aliás, para um bom filme.
*Matéria publicada em Casa Vogue #350 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)