Joan Roca, chef-proprietário do restaurante número um do mundo, o El Celler de Can Roca, a essa altura da carreira poderia morar em uma mansão no melhor endereço da histórica Girona, cidadezinha catalã onde vive e trabalha. No entanto, prefere não arredar pé do apartamento situado logo acima da cozinha que o tornou famoso – neste ano, o El Celler conquistou o primeiro lugar no ranking da revista inglesa Restaurant. É ali, em uma casa centenária construída com pedras do vizinho Rio Ter, que ele vive com a mulher, Anna, e os filhos pequenos, Marc e Marina.
Em 1993, Joan e seus irmãos, Jordi e Josep – respectivamente, chef pâtissier e sommelier do restaurante – compraram o imóvel no qual figuravam uma torre, venezianas e telhas de terracota. O escritório López + Tarruella, em colaboração com Ricard Trenchs, transformou o térreo do prédio histórico (depois de muitos anos de planos, obras e extensa ampliação) na nova sede do El Celler, que, antes disso, funcionava em uma casa modesta na mesma rua. Rua, aliás, na qual os irmãos cresceram e onde seus pais até hoje têm um restaurante de bairro chamado Can Roca.
O fato de trabalharem em família e viverem próximos diz muito sobre a forma de o trio conduzir os negócios, sempre em perfeita harmonia. “Quando um não concorda com os outros dois, discutimos até que o prato ou a escolha do vinho em questão seja unânime”, explica Joan, igualmente cuidadoso com a mulher e os filhos. “Gosto de morar acima do restaurante, assim posso subir nas horas de folga e cozinhar para eles”, conta. Sim, o chef número um do mundo deixa a cozinha ultra hi-tech do El Celler para dar de comer à prole. Ali, na casa decorada por Anna, trabalha em uma bancada integrada à sala de jantar, na qual a estrela é uma luminária do alemão Ingo Maurer, customizada com croquis do cardápio servido no andar de baixo.
Nas paredes da sala há mais alusões ao universo gastronômico. De um lado, uma natureza morta; de outro, uma obra assinada pelo catalão Franc Aleu, artista multimídia e amigo da família, em que gotas de vinho entre lâminas de vidro lembram amostras de sangue. São o foco do espaço, cuja neutralidade cinza-gelo é sutilmente quebrada por almofadas e manta roxas. A mesma cor ressurge em outros pontos, como nos travesseiros do quarto do casal e nos belos jardins repletos de lavanda existentes ao redor da construção.
Uma antiga escada leva à suíte do casal, encravada em um pombal em forma de torre. Com seu dramático teto abobadado, ela comporta uma saleta de TV, com poltronas gêmeas Faubourg, da marca francesa Steiner, e luminária de Arne Jacobsen. Já o quarto em si é deliberadamente singelo, com vista para a catedral de Girona. O espaço, como o resto da moradia, luminoso e adornado sem excessos, convida à reflexão. Assim prefere o sério e afetuoso Joan: de movimentado e complicado basta o trabalho. Em casa, reina a serenidade bucólica.
* Matéria publicada em Casa Vogue # 335 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)
Abaixo, algumas imagens do restaurante, o El Celler de Can Roca.