Esse apartamento na capital federal goza de uma característica rara nas grandes cidades brasileiras: seus interiores estão em perfeita harmonia com a vizinhança. O lar com decoração modernista localiza-se na Superquadra 113 Sul uma das poucas que conservam os blocos residenciais voltados ao trajeto de pedestres, ideia de Lucio Costa, e o paisagismo original de Burle Marx.
Os profissionais do escritório Bloco Arquitetos propuseram deixar o lar, construído na década de 1960, o mais próximo possível de sua concepção original. Ajudou o fato de o casal de proprietários, um profissional do mercado financeiro e uma artista plástica, já possuírem uma coleção de móveis modernistas.
Uma parede da sala de estar ganhou ar brutalista com a aplicação de uma mistura de cimento e água. O material se contrapõe à delicadeza do piso de peroba rosa original, e a clássicos do mobiliário, como os sofás LC, de Corbusier e ON, de Oscar Niemeyer, além das poltrona Mole e Beto, de Sergio Rodrigues. As peças fazem companhia ao contemporâneo banco de madeira de Maurício Azeredo.
A disposição da mobília valoriza o vazio. "Os clientes têm muitas peças importantes – todas originais. Então a gente não quis que as obras ficassem competindo entre si", conta Daniel Mangabeira, um dos autores do projeto. "Não tem sequer tapete".
A cozinha sofreu as maiores transformações. A equipe de obra derrubou a parede que dividia o cômodo da sala de jantar, em uma abordagem atual. Fórmica com superfície de lousa cobre os armários embutidos e a divisória que separa os ambientes da área íntima. Além de ter uma presença discreta nos ambientes coloridos, o revestimento permite à família rabiscar o cardápio das refeições por ali.
A parede que ocultava o cobogó dos fundos também caiu. A luz e ventilação agora penetram na cozinha e sala de jantar. Nesse ambiente, ela é filtrada por um painel de madeira, aço e vidro jateado desenhado pelos arquitetos. A peça, inspirada nos azulejos de Athos Bulcão no Palácio de Itamaraty, realça os tons de vermelho do jantar, dados pelo piso e poltronas Panton. Do outro lado da divisória fica o ateliê, onde a dona da casa produz pequenas estátuas e bijuterias.
Obras de arte pontuam as áreas sociais. O living ganhou quadros do brasiliense Breno Rodrigues, enquanto a cozinha guarda uma Guanabara de Alfredo Ceschiatti.
Nos banheiros, os arquitetos resgataram soluções construtivas do prédio original. Assim, restauraram os forros de concreto furado e aplicaram nos pisos o ladrilho sextavado, usado com frequência em meados do século passado. As pastilhas de vidro têm a mesma dimensão das originais, de cerâmica. O toque contemporâneo fica por conta dos metais sanitários da Deca e da laca e silestone – verdes – usados em uma bancada. Nem tudo em Brasília, afinal de contas, é imutável.