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Rolê artsy: Jaime Lauriano e Martha Araújo

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Role Artsy (Foto: divulgação)

O carnaval acabou e o ano artsy finalmente está de volta! Se você ainda não tem programa para este fim de semana e adora um roteiro cultural, não deixe de visitar duas individuais instigantes: Martha Araújo, na Galeria Jaqueline Martins, e Jaime Lauriano, na Galeria Leme. As galerias são relativamente próximas (ninguém merece muito trânsito no sábado) e os temas abordados conversam de alguma forma.

Martha busca entender os limites do corpo e da identidade – entre o eu e o coletivo – e propõe prisões para potencializar a sensação de liberdade. Jaime Lauriano, por sua vez, continua a pesquisar sutilezas da formação da identidade brasileira e consequências de uma colonização abusiva. O “corpo negro” do indivíduo-artista aparece como “corpo coletivo” representando uma que nação ainda parece viver em tempos de escravidão e/ou podado pelo sistema. Quanto maior o aprisionamento, maior a libertação, sejam elas físicas ou psicológicas!

Role Artsy (Foto: Gui Gomes)

 

Role Artsy (Foto: Gui Gomes)

 

Role Artsy (Foto: Beta Germano)

Como saco vazio não para em pé (e nem tem saco para ver arte contemporânea!), minha dica é começar o rolê na novíssima Padoca, um lugar especial para tomar café da manhã – minha refeição preferida! – comandado pela turma do Maní. O que comer? Eu vou de ovos, claro, e os pães da casa. Para acompanhar, um bom café com leite em uma caneca de metal com o símbolo do espaço: um pé de galinha. A ideia do menu e décor é garantir ares de fazenda. Gostoso. De lá, é possível ir a pé para nossa segunda parada: a Galeria Jaqueline Martins.
Martha Araújo, Para um corpo pleno de vazios

A primeira individual da alagoana Martha Araújo na galeria é enxuta, mas muito bem montada. Trabalhos históricos como Para um corpo… (colchões que te convidam a deitar e repensar nas formas e limites do corpo) e versões de Hábito-Habitante (espécie de parangolés coletivos que instigam a interação daqueles que “vestem” a obra), além de documentações fotográficas, ajudam a entender um pouco o universo desta artista que andava esquecida há quase três décadas. 

Interessada, desde a década de 1970, por experiências sensoriais que questionassem a relação entre corpo do indivíduo e o coletivo, Martha escolheu a roupa e o colchão como seus principais interlocutores. O motivo? São os principais conhecedores dos corpos destes indivíduos que precisam se relacionar com o outro e com o mundo exterior, já que convivem com eles durante a maior parte do tempo.

Sua obra mais interessante, porém, é a instalação performática Para um Corpo nas suas Possibilidades (macacões com velcro para você “brincar” de se grudar e desgrudar no colega). “Primeiro construí um cinto e dois braceletes com ímãs. O objetivo era prender os pulsos no cinto, mas notei que não prendiam o suficiente. Eu queria algo que prendesse mais, para que fosse possível sentir uma sensação de libertação mais forte, pois quanto mais preso você fica, maior a sensação de liberdade ao se soltar. Um dia, tirei a pulseira e descobri que o velcro que a fechava tinha o poder que eu queria (...) Fiz macacões aos pares, um com um lado do velcro e o segundo com o outro lado, de maneira que um macacão colava no seu par e, ao descolá-lo ouvia-se um som de rasga-pele muito forte.”, explica a artista em texto distribuído na galeria.

Esta busca pela sensação de libertação em relação ao outro (e ao mundo externo) com reflexo direto no corpo pode ter nascido ainda na infância da arista: filha de pai comunista, ela teve a oportunidade de Rússia... Queria ser bailarina e se transformou em uma artista cujo trabalho mostra uma “preocupação política com os limites do corpo e com a relação entre soma e fragmentação, a experiência de estar com o outro e, ao mesmo tempo, preservar a liberdade” como bem apontou a curadora Manuela Moscoso.

Ao pensar em Martha como uma mulher que cresceu cercada por uma família ativa politicamente durante anos de ditadura, e que sempre foi fascinada pelo corpo (muitas vezes, alvo de violência naquela mesma época), é possível estabelecer um diálogo indireto entre suas obras e os vídeos apresentados pela holandesa Rineke Dijkstra na última Manifesta, em São Petersburgo. Curiosa pela transição entre infância e adolescência (momento em que o indivíduo constrói a sua própria identidade), Rineke escolhe o país comandado por Vladimir Putin para falar sobre crescer sob pressão, lidando com limites psicológicos e físicos.  Marianna (The Fairy Doll) e The Gymschool, St Petersburg são, assim, retratos comoventes de jovens russas que são muito frágeis e vulneráveis, apesar de extremamente determinadas. “Elas são treinadas para esconder suas emoções e é só quando elas cometem algum erro na coreografia que conseguimos vislumbrar sua verdadeira personalidade”, relata a artista.

Role Artsy (Foto: divulgação)

 

Role Artsy (Foto: divulgação)

 

Role Artsy (Foto: divulgação)

 

Editora Globo (Foto: Miriam Prado)

 

Editora Globo (Foto: Miriam Prado)

 

Role Artsy (Foto: Miriam Prado)

 

Role Artsy (Foto: divulgação)

 

Role Artsy (Foto: divulgação)

A pergunta que jogo no ar é: Estes processos de aprisionamento (inclusive do próprio corpo) e dificuldade de se relacionar com o mundo exterior são vivenciados apenas as jovens russas? Com ela na cabeça, atravesse o rio e vá direto para a terceira e última parada: a Galeria Leme.
Jaime Lauriano, Autorretrato em branco sobre preto

Vocês nunca terão direitos sobre seus corpos; Indivíduos em atitude suspeita, em especial, os de cor parda e negra – As placas de madeira parecem tiradas de fazendas escravocratas, mas as frases foram retiradas de boletim de ocorrência ou comunicados oficiais nos últimos quatro anos! São ordens de um país onde 70% dos jovens, entre 18 e 24 anos, mortos em atos de violência, são negros.

Interessado pela formação da identidade brasileira e as consequências (ou traumas) da nossa colonização, Jaime Lauriano passa a questionar a linguagem como mais uma forma de violência. Sua primeira individual na galeria, portanto, está repleta de histórias narradas por grupos de indivíduos que questionam a História oficial.

Logo na entrada, setas desenhadas com "giz usado em rituais de Umbanda" representam a primeira rota de navio negreiro que chegou no Brasil. Afinal, os nomes os orixás tiveram que mudar para se adaptar às regras brancas – um exemplo de que a violência linguística pode ser tão abusiva quanto à física. Em tempo: 60 dias, uma bandeira preta com riscos feitos com o mesmo giz, trata da última rota.

“Quero expor minha experiência como negro e a de todos os indivíduos que formam este coletivo. A ideia é reescrever a História (com H maiúsculo) contada pelos vencedores”, explica o artista que escolheu um nome tapa-na-cara-da-sociedade para a sua exposição: Autorretrato em branco sobre preto.

Se o sistema que protege e liberta é o mesmo que aprisiona, vale observar, ainda, a instalação Nessa terra, em se plantando, tudo dá.  Uma muda de pau-brasil plantada em uma redoma de madeira climatizada. A planta vai crescer e, ao mesmo tempo, morrer. “É outra forma de violência. A ciência cria situações ideias, mas que não são naturais e controlam nossos corpos impedindo qualquer crescimento livre”.

Rússia, África ou Brasil. Será que um dia poderemos, enfim, controlar nossos corpos?

Role Artsy (Foto: divulga)

 

Role Artsy (Foto: divulga)

 

Role Artsy (Foto: divulgação)

 

Role Artsy (Foto: divulgação)

 

Role Artsy (Foto: divulgação)


Serviços:
Jaime Lauriano, Autorretrato em branco sobre preto
Data: até 14 de março
Local: Galeria Leme
Endereço: Av. Valdemar Ferreira, 130, SP
Horário: de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 17h
Entrada gratuita

Martha Araújo, Para um corpo pleno de vazios
Data: até 21 de março
Local: Galeria Jaqueline Martins
Endereço: Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 74
Horário: de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 11h às 17h
Entrada gratuita


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