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Casal 50

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Don e Mara Rubell (Foto: Janete Longo / Divulgação)

Dizem por aí que “simpatia é quase amor”. Então, já amo loucamente Mera e Don Rubell. O casal de colecionadores à frente da Rubell Family Collection, um dos espaços mais bacanas de Miami para quem gosta de arte, está aqui para conhecer melhor os artistas brasileiros. O objetivo? Expandir a coleção com obras nacionais e ajudar a exportar a nossa cultura para o mundo, como fizeram recentemente com os artistas chineses.

Veja quem participou da conversa em nosso espaço na galeria de fotos

No delicioso bate-pato no nosso lounge dentro da SP-Arte, a sintonia de quem vive e coleciona junto há 50 anos é envolvente. Um corta o outro para discordar e, em seguida, concordar (talvez de uma forma mais poética). Mas a verdade é que eles se entendem perfeitamente e o diálogo parece mais uma performance inconsciente (lembrei dos diálogos sincronizados de Gilbert and George) do que uma discussão de casal.

Don e Mara Rubell (Foto: Janete Longo / Divulgação)


Eles casaram em 1964 e neste mesmo ano começaram a comprar obras de “jovens talentos que ainda não tinham sido descobertos" como George Condo, Jean-Michel Basquiat e Keith Haring – era o que o dinheiro de um médico e uma professora podia comprar – com uma espécie de “cofrinho” que era alimentado toda semana.  Hoje a coleção tem cerca de 6.800 obras de 831 artistas e Mera e Don se tornaram, ao lado do filho Jason, uns dos mais importantes mecenas dos EUA ajudando, inclusive, a levar a renomada Art Basel para Miami.

As visitas nos estúdios continuam sendo a maior prioridade do casal: “Arte não vem até você. É preciso ir até ela”, explica Don. “Você precisa acreditar no artista para investir em seu trabalho no início da carreira”, conta Mera. "Era como se eles estivessem tentando descobrir o meu cérebro, não apenas o que eu fiz ", recorda o artista Aron Curry, em uma entrevista para a W Magazine, sobre a primeira visita da dupla em seu ateliê.

Leia abaixo um pouco sobre a nossa conversa!

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)



 

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)

Gemada: É uma coleção de família. Como criar crianças (Jason e Jennifer) no meio de tanta obra de arte? Jason ajuda vocês no museu e a Jennifer decidiu ser artista. Como não odiar arte quando você é arrastado para 5 exposições por dia desde criança?

Mara Rubell: Eles visitavam os ateliês e galerias desde que nasceram. Acho que o segredo é sempre perguntar o que eles pensam das obras e como eles estão vivenciando aquele momento. Acho que esse é o único jeito de fazer qualquer pessoa se interessar por arte. Sempre perguntar: O que você vê aqui?

Don Rubell: O que a gente fazia era dizer “Se você ir em 5 galerias, vai ganhar um sorvete. Se você for em 10 galerias, podemos jogar basquete. Estranhamente, eles aprendem a amar arte! (risos)

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)


G: Vocês se presenteiam com obras de arte?

M: Não damos obras para o outro. Temos que lutar juntos pelas peças que amamos.

D: Para comprar qualquer obra eu tenho que concordar, Mera tem que concordar e o nosso filho, Jason, precisa concordar. Se um dos três não acredita naquela obra, não compramos.

M: É uma coleção comum a todos nós. O voto é democrático, mas o sistema é comunista. 

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)


G: Mas vocês nunca se arrependem ou discordam? Vocês já ficaram sonhando com uma obra que não foi comprada porque os três não concordaram?

M: Não é uma decisão puramente emocional. Um diz não e tudo acaba. Temos longas conversas sobre as peças e os artistas. Se um está realmente positivo, temos que achar um jeito de convencer os outros... Isso é saudável e instiga discussões interessantes sobre as obras.

D: Se a obra não convence os três, não é boa o suficiente. Portanto, não devemos comprá-la. A péssima notícia é que nós três concordamos mais de 6 mil vezes! Acabamos descobrindo que somos bastante abertos para ser convencidos (risos). Depois de 50 anos juntos, nós quase nos divorciamos apenas três vezes por causa de uma obra de arte. Ou seja: no geral concordamos com tudo.

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)


G: Existe alguma obra que vocês amam tanto que fica apenas na sua casa e nunca vai para a fundação para exposições?

M: Você vai ficar chocada quando visitar a nossa casa. Não temos arte lá, pois a nossa casa é mais uma espécie de “tanque para pensar” do que um display. O jeito que apresentamos arte na coleção é exatamente a forma como o artista imaginou... Não queremos que estas obras entrem no campo da decoração. Não queremos fazer um diálogo com o sofá ou a mesa... Elas precisam ficar livres disso.  Nós moramos atrás da fundação. Portanto, se eu quiser ver uma obra, passo pela biblioteca e estou em um espaço perfeito para recebê-las. Eu só colocaria uma obra em casa se fosse uma peça que realmente quer estar em um espaço doméstico. 

D: Passamos o dia inteiro falando sobre arte e é importante não ser influenciado por nada que está à vista. É realmente um “tanque para pensar”. Mas temos 40 mil livros!

M: O que fazemos, às vezes, é pendurar uma obra para olhá-la e pensar sobre ela. Aí devolvemos para a fundação.

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)


G: Vocês já precisaram vender alguma obra que amavam?

M: Nunca queremos vender algo que concordamos em comprar. Algumas vezes temos cerca de 50 obras de um único artista e é preciso abrir mão de apenas uma peça para conseguir comprar outras e ajudar vários novos artistas. Vendemos uma única obra muito bonita, mas com aquele dinheiro pudemos comprar toda a coleção de chineses que apresentamos há dois anos na fundação. Ou seja: nunca vendemos um trabalho que não fosse para comprar outros trabalhos. É assim que os museus trabalham: por muitos anos nós achávamos que seriamos criminosos se vendesse qualquer coisa da coleção até que o diretor do MoMA nos disse que os museus sempre vendem obras e é assim que eles constroem grandes coleções.

D: Mas eu sou tão covarde... Não somos vendedores. Somos compradores. Apenas 1% do que adquirimos não está mais com a gente.

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)


G: E como é a relação com os artistas?

M: Ficamos amigos de vários e continuamos comprando, pois queremos acompanhar a evolução da carreira deles. Inclusive, infelizmente, estávamos com alguns deles no leito de morte. Foi o caso de Keith Haring... Ele era muito jovem e nos ensinou demais!

D: É como sexo. Você pode fazer com centenas de pessoas, mas nunca vai esquecer o primeiro. Nós compramos no início da carreira e eles nunca esquecem isso (risos).

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)


G: Vocês já gostaram de uma obra e não simpatizaram com o artista como individuo e desistiram de comprar o trabalho?

D: Quando éramos muito novos, nunca iríamos comprar uma peça de um artista que não gostamos, mas agora a arte é o suficiente.

M: Não é sobre gostar ou não do artista. É sobre o comprometimento do artista em fazer aquele trabalho. No fim do dia... O que interessa é a obra de arte. Muitas vezes a genialidade não vem em uma pessoa necessariamente agradável. Ela vem para pessoas que estão obcecadas para fazer acontecer. Isso tem um poder incrível e pode ser visto na história da arte.  É como um ator: você pode não gostar da pessoa, mas gosta do personagem no palco. O trabalho basta.

D: Nós gostamos da companhia dos artistas porque eles são interessantíssimos. Mas eles não estão lá porque são pessoas legais.

M:  No entanto, como nós compramos obras quando eles são super jovens, é preciso conhecê-los e se conectar. Afinal, geralmente eles têm poucos trabalhos para que possamos entender quem eles são somente através do que eles produzem. Precisamos ir aos ateliês e entender quem eles são e se eles têm comprometimento com a própria arte.

D: É como escrever um romance. Muitas pessoas podem escrever uma obra-prima e nunca mais publicar um livro. Nós precisamos acreditar que ele vai escrever o segundo, o terceiro, o quarto... E que tudo será tão bom quanto o primeiro.

M: Sim. Precisamos acreditar nesta pessoa. Temos que entender de onde o trabalho vem e se há integridade e verdade naquilo. Ontem passamos duas horas conversando com um artista e o trabalho era tão valioso dentro da própria vida dele que a conversa foi poderosa e claramente sincera. Não sei se eu gosto daquele artista, mas de fato fiquei envolvida.

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)


G: Vocês já visitaram alguns ateliês no Brasil. Qual é a primeira impressão?

M: Nós viajamos o mundo inteiro e arte contemporânea de consistência não nasce em
qualquer lugar. Mas eu posso dizer que está acontecendo alguma coisa muito poderosa aqui.

G: Vocês visitam quantas feiras em diferentes países por ano?

D: Mais de dez...

M: A vida é curta.

D: É curta? Você me diz isso agora? 50 anos depois? A vida é longa

M: Pensamos que é longa, mas o tempo corre e queremos ter certeza que vamos encontrar todos os artistas que precisamos encontrar.

D: Arte não vem até você. É preciso ir atrás dela. A importância disso está aí: eu posso passar anos em Miami e NYC esperando exposições de artistas brasileiros, mas não quero isso para a minha vida. Quero vir ao Brasil para ver os artistas brasileiros e preciso vê-lo em seu próprio contexto e cultura para entender suas obras.

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)


G: Já identificaram alguma linguagem em comum nos artistas brasileiros?

D: Arte boa fala uma língua universal... Em diferentes dialetos.

No jantar que a Casa Vogue fez para o casal, Don pegou o microfone e anunciou. “A primeira obra que eu colecionei foi a Mera” – Como não amar?

Bate papo com os Rubell (Foto: Divulgação)


 

 


 


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