Vincent Darré é o único adulto que vai, por livre e espontânea vontade, se deleitar junto a dezenas de crianças no tradicional teatro de marionetes do Jardim de Luxemburgo, em Paris. “Sou um passadista. Gosto de coisas que não mudam com o tempo, como o Guignol [personagem-título do show de marionetes francês], espetáculo até hoje igualzinho ao da minha infância!”, conta o designer de 50 anos, numa conversa regada a chá e histórias deliciosas. “Minhas almas gêmeas também são de outra época: Dalí, Ernst, Breton, Man Ray & cia.” Ao entrar em sua boutique, na rue du Mont Thabor, não restam dúvidas de que as referências de Darré fogem do clean que impera nos interiores contemporâneos: é abajur de caveira para cá, mesas e cadeiras-esqueleto para lá, sem contar a iluminação do espaço, feita por luminárias de mesa cirúrgica, arrematadas por ele em visitas semanais a mercados de pulgas.
A irreverente cômoda em forma de lagosta comprova que Dalí é uma de suas maiores inspirações, mas a identificação com o artista catalão vai além da estética. “Como Jean Cocteau, Dalí foi muito criticado por ter se aventurado em diversas áreas. Eu me identifico com eles porque faço o que quero”, revelou o francês, que já foi assistente de Karl Lagerfeld na Fendi, diretor criativo da Moschino e da Ungaro, fotógrafo da Vogue Paris e diretor de arte dos shows da cantora-atriz-performer Arielle Dombasle. É a Maison Darré, no entanto, que faz sua cabeça desde 2009, quando deu uma guinada na carreira depois de mais de 20 anos trabalhando para grandes maisons. “O projeto é antigo, mas antes eu pensava em unir decoração e moda. Eu logo vi que não tenho, para criar roupas, o mesmo frescor que tenho para móveis, uma novidade na minha vida.”
Cada projeto assinado por Darré é sempre fruto de encontros e amizades, como a estampa de cortinas desenhada pelo ilustrador e amigo Pierre Le-Tan. A' L'Eau Dali, uma série inspirada em animais aquáticos, foi concebida depois que uma de suas clientes pediu que ele criasse todos os móveis do seu banheiro. O convite para redecorar o apartamento de Elsa Schiaparelli, o qual servirá como QG da marca que ensaia um comeback, veio da sua amiga de longa data Farida Khelfa. Darré tirou de letra essa desafiadora missão. “Na minha juventude, eu ia almoçar todo domingo na casa de Schiaparelli porque era muito próximo da Marisa Berenson, grande modelo dos anos 1970 e neta da estilista”, relembra.
Sendo uma das figuras incontornáveis da noite parisiense desde a época da fervida boate Le Palace, é natural que Darré tenha sido a escolha do duo André e Olivier Zahm para criar os ambientes dos nightclubs mais disputados de Paris e Nova York: o Le Montana e o Le Baron, respectivamente. Adivinhe qual é o único faux pas para Darré quando o assunto é interiores? “Gosto de decoração exagerada, teatral. Acho um pecado ter medo do mau gosto. Nada mais chato do que uma sala com sofá bege e poltrona marrom, decorada por fotografias em preto e branco!”
* Matéria publicada em Casa Vogue #336 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)