Durante três anos, de 2009 a 2011, o professor, crítico de design e curador norte-americano William Myers pesquisou experiências que integram a ciência ao design, à arquitetura e à arte. O objetivo inicial era coletar dados para sua tese de mestrado, sobre essa nova abordagem do biodesign, na School of Visual Arts (SVA), em Nova York. A editora inglesa Thames & Hudson interessou-se pelo assunto e o incentivou a desenvolver o conceito em um livro com muitos mais exemplos dos que os incluídos no estudo acadêmico. O resultado é o recém-lançado BioDesign: Nature + Science + Creativity, obra com 288 páginas ilustradas, que revela 73 exemplos de projetos desse tipo, desenvolvidos nos últimos anos, ao redor do mundo. Para o autor, eles apontam uma realidade inexorável: “Aproveitar, de maneira responsável, o que oferece a biologia e seus sistemas vivos, é prioridade, se quisermos sobreviver e manter o tipo de vida que conhecemos.” Veja, a seguir, a entrevista feita por Casa Vogue com ele.
O que é biodesign, na sua opinião?
Biodesign é a integração do design com sistemas biológicos, muitas vezes tendo em vista alcançar melhor desempenho ecológico. Em contraste com a concepção que apenas imita a natureza ou baseia-se em biologia na busca de inspiração, o biodesign, agora, incorpora organismos vivos no projeto, como em blocos de construção, em materiais que são fontes de energia e em purificadores de ar, só para citar algumas possibilidades. Biodesign é o reconhecimento do tremendo poder e da utilidade potencial de organismos e sua interação natural e constante na mudança de ecossistemas ao redor deles. Também pode ser um meio de comunicação e descoberta, uma forma de provocar o debate quanto à exploração dessas oportunidades, assim como discutir os perigos da manipulação de vida por meio da biologia.
Como tornou-se interessado pelo assunto?
Meu interesse em biologia e design, que são a base para o conceito de biodesign, decorre de minhas experiências ao estudar sustentabilidade, assim como ter aprendido a preparar minha própria cerveja e assar meu próprio pão. Esta combinação sugeriu-me que há vastos aspectos da biologia, não utilizados e desvalorizados, que poderiam integrar, por exemplo, o design e a arquitetura. A realidade da mudança climática também foi uma influência importante.
Esta abordagem é eminentemente sustentável, não?
Sim. É urgente construir e produzir de forma mais sustentável, tendo em conta a crise climática. O biodesign, por sua vez, leva a colaborações sem precedentes entre designers e cientistas, como os biólogos, que cada vez mais entendem como os organismos funcionam em nível molecular. Essa recente proliferação de tal atividade interdisciplinar está em escolas, laboratórios e bancadas de trabalho de todo o mundo. Um resultado importante desta nova abordagem do design tem sido o desenvolvimento de objetos de crítica à atual situação, além de outros projetos que questionam a fronteira entre arte e design e que estudam os efeitos de novas tecnologias e pesquisas científicas sobre a cultura e o comportamento humanos. A tendência é que o biodesign tenha enormes implicações no futuro da interação humana. Porém, imediatamente, demonstra seu potencial quando um arquiteto ou designer une-se à expansão do conhecimento dos biólogos, trabalhando em colaboração com eles.
Quando surgiu esse conceito de biodesign explorado em seu livro?
Acho que começou com a constatação de que era necessário haver um salto dramático para melhorar o design, em consequência da crise climática. Observar a história do concreto é uma boa maneira de ilustrar esse desenvolvimento. É um material importante para a infraestrutura em todo o mundo de hoje e também responsável por mais de 5% das emissões de carbono. Foi primeiro empregado pelos romanos, cuja força política e econômica diminuiu com a queda de seu império, e a fórmula de produzir aquele material se perdeu por mais de 1.000 anos. O concreto foi redescoberto no século 18, na Inglaterra, com a Revolução Industrial. Cem anos depois, vimos o concreto reforçado com ferro e aço. Isso faz sentido, se você pensar na inovação como produto de influências econômicas e políticas. Agora, as forças mudaram e está se tornando uma prioridade, embora lentamente, que as tecnologias dos materiais sejam mais ecologicamente corretas. Assim, um novo tipo de betão tem sido desenvolvido com a incorporação de bactérias. Este material é de “autocura”, porque as bactérias ajudam a selar todas as rachaduras que se desenvolvem no material. Esse é apenas um exemplo, mas existem outros que ajudam a tornar claro como vivemos uma nova era. Em última análise, isso ocorre porque a biologia, e seus sistemas vivos, oferecem processos mais eficazes. Aproveitá-los, de maneira responsável, precisa tornar-se prioridade, se quisermos sobreviver e manter o tipo de vida que conhecemos.
Cite outros exemplos que considere interessante
O biodesign está ainda muito vinculado a estudos de laboratórios, mas agora já há exemplos para a ‘vida real’. Um elemento importante é Ecocradle, material inventado pela empresa norte-americana Ecovative. Nele, usam-se cogumelos para fazer embalagens, que deixam de lado isopor, material prejudicial ao meio ambiente. Além disso, há luminárias, por exemplo, que se valem de bactérias e insetos para gerar energia e acender lâmpadas.
Quais projetos brasileiros, conhecidos por você, envolvem o biodesign?
No livro, exibo um bom projeto do Triptyque [escritório de arquitetura paulistano], que funciona como um organismo vivo. Além disso, há uma flor transgênica do [artista plástico carioca radicado em Chicago] Eduardo Kac.
Como imagina o futuro do biodesign?
Acho que nosso comportamento típico de produzir e consumir continuará. Mas a produção e o consumo estarão mais integrados com os ecossistemas e tentarão até melhorá-los. Essa é a única opção se pretendemos sustentar o crescimento econômico e introduzir bilhões de pessoas na classe média. Imagino casas construídas, em parte, com árvores vivas. Casas geradoras de energia, que usam micróbios para digerir lixo. Tanques hidropônicos, nos lares, com peixes a serem consumidos. Algumas dessas tecnologias e técnicas estão disponíveis, mas ainda devem-se fazer investigações para entender melhor como os organismos funcionam em nível molecular e também como interagem uns com os outros. Descobertas fundamentais ainda estão sendo feitas em biologia. Haverá um longo período de tempo, mais do que vinte anos, pelo menos, para que estejam mais integradas ao dia a dia da casa, por exemplo.
Há algo que queira acrescentar?
Sim. Biodesign é exercido por seres humanos, imperfeitos e frágeis. Assim como tecnologias mecânicas e digitais, provavelmente será, em alguns casos, usado indevidamente. Mas o potencial para o benefício é maior.