Ele é um dos maiores nomes do design italiano, mas sua humildade o torna tímido. Talvez a idade também o faça calar-se. Alessandro Mendini, 82, não gosta de se expor a públicos avolumados. Seu irmão e sócio, Francesco, oito anos mais novo, segue a toada. No entanto, para a sorte de alguns paulistanos, ambos subiram num palco diante de mais de 500 espectadores ávidos nesta quarta-feira, dia 11. O mais velho assumiu o microfone, com relutância.
A convite da Vitrine e da A Lot Of Brasil, o mestre do design emocional compartilhou com os presentes imagens que revelaram um pouco de seu processo criativo e de suas referências. Encheram os olhos obras de Dennis Oppenheim, Naoto Fukasawa, Maurizio Cattelan, Tommaso Bucci, René Magritte, Lucien Kroll e Francis Bacon, entre outros. Foi assim, como se diz, “tudo junto e misturado”.
Enquanto as imagens passavam no telão, Mendini falava pouco. Pulava de um slide para o próximo como se aquele conteúdo fosse óbvio demais para sua plateia. Ainda assim, sem muita explicação ou tempo de digestão dos pixels, a mensagem penetrava e se acomodava na mente dos ouvintes. Era como se a velocidade da troca de imagens fosse proposital. Ela fazia a obra vista antes confundir-se com a próxima, e seguinte e a outra também.
Ele, que a vida toda recusou cargos docentes, foi naquele momento um ótimo professor. Ao seu modo, conseguiu fazer com que o público enxergasse o mundo por suas retinas. Ficou fácil entender de onde surge sua estética. Ela tem muito a ver com o surrealismo, com o cubismo, com o pós-modernismo, com o pontilhismo, com a antropomorfia, com a infância e, por que não, com o clima tropical.
Na arquitetura, a maioria de suas obras é complexa e intensa, mas Mendini as julga, todas elas, singelas. “A vida toda, só fiz projetos pequenos”, disse. “Meu trabalho é uma acupuntura estética no tecido doente da cidade”, poetizou. O arquiteto e designer revelou também que, para desenvolver seus projetos, segue da parte para o todo. “A ideia é a mesma do pontilhismo: se cada pequena parte tem qualidade, o todo também terá”, explicou.
Foi assim que ele fez bem feito seu trabalho nos mais diversos campos. Mendini desenvolveu grafismos, pinturas, móveis, interiores, edifícios, revistas e livros. Ainda assim, começou sua apresentação dizendo: “Não sou designer, não sou arquiteto, não sou artista e não sou artesão”. Incapaz de definir-se, resumiu, “apenas crio produtos com estética, poesia e alma” – como se isso fosse pouco.
Em todas as áreas que atuou – e nas que segue atuando – há, no entanto, um denominador comum, o emprego quase frenético das cores. “O uso das cores deve ser emocional”, recomenda. “Às vezes dois tons não combinam harmoniosamente, mas a sua união cria uma vibração e é isso que importa”. Por isso, couberam em seu portfólio em todos esses anos apenas duas obras “sem cor”, lembrou ele – uma delas, ironicamente, no período em que participava do colorido grupo Memphis.
Ainda no âmbito do design de utensílios e móveis, há outra regra que Mendini impõe a si mesmo: a busca por formas que remetam aos homens e aos animais. “Desenho objetos que quase têm olhos”, afirma. “É muito mais fácil ver um amigo numa figura que tem olhos”, diz, deixando entender que as peças que remetem a seres vivos costumam ser produtos mais bem sucedidos.
Um grande exemplo disso é o saca-rolha Anna G, conhecido como “a bailarina”. O formato da peça foi inspirado em uma amiga de Mendini – “o cabelo é igual, o pescoço e a vontade de dançar”. O objeto é o líder absoluto de vendas da Alessi desde a sua criação, em 1994. No próximo ano a peça festejará seu vigésimo aniversário e o designer já anunciou: haverá edições comemorativas.
E por falar em razões para festejar: nesta semana o novo showroom da A Lot Of Brasil, cujo décor é assinado pelos irmãos Mendini, será inaugurado. Outra novidade boa, que o designer adiantou para a Casa Vogue com exclusividade, é que sua obra logo será tema de uma exposição em solo alemão. A mostra deverá unir os trabalhos de Mendini aos de seu amigo Dieter Rams. O contraste é proposital, os opostos se complementam.
Do alto de sua octogésima década de vida, Mendini é uma força criativa desmedida. Ele não para de produzir e agora, disse, é a hora de aproveitar todo o potencial do Brasil. Não é à toa que este distinto senhor e seu irmão vieram parar em nosso país. “Certa vez um crítico disse que meu trabalho o lembrava da Carmem Miranda e eu adorei”, contou. “Acho que minhas cores têm tudo a ver com o clima tropical”, disse, sentindo-se em casa.