“Você pode esperar um minuto, por favor? O Daniel está na forma.”, disse Sthephanie ao fotógrafo Fran Parente. Ela é assistente do artista plástico Daniel Arsham, conhecido pelo diálogo constante com a arquitetura e pelo estúdio de design Snarkitecture. Ele estava em Greenpoint, no Brooklyn, para registrar um pouco sobre o fantástico mundo de Daniel que, naquele momento, preparava mais um autorretrato em forma de escultura feito com cacos de cristais.
O motivo? Há exatos 21 anos, o artista passou por uma experiência única: sobreviveu ao furacão Andrew que passou por Miami quando ele ainda tinha 12 anos. Na época, ele se escondeu em um armário reforçado em sua casa, enquanto a tempestade destruiu quase tudo ao seu redor.
Expect the unexpected, ele costuma dizer. O trauma virou arte final e ele dedicou a maior parte dos últimos anos fazendo esculturas com materiais quebrados ou criando figuras humanas e objetos do cotidiano cobertos por “lençóis brancos” (só que de fibra de vidro) ao vento. É o caso dos cristais triturados e pó de vulcão que viram telefones antigos, câmeras fotográficas ou de vídeo, microfones, molduras de quadros e até personagens de desenho animado. Ainda com o desastre em mente, montou a instalação Storm, um buraco de onde era possível sentir o vento e som de um furacão.
“Faço estes trabalhos para conhecer os objetos, pois quero reinventar coisas. Desta forma, olho para objetos e materiais e me pergunto ‘o que este objeto pode fazer, mas que não é suposto para fazer?’. Aí começa a criação”, explica o artista fã de Duchamp e Gordon Matta Clark.
No mesmo estúdio onde faz suas pinturas e esculturas, montou o Snarkitecture, em parceria com Alex Mustonen, para tentar manipular a arquitetura para construir formas e situações inesperadas. A arquitetura, aqui como protagonista da obra, recolhe-se à sua materialidade e faz o que não se pretende ou se sujeitaria em condições “normais”.
“Gosto de mudar as expectativas das pessoas em relação às coisas. Procuro, assim, transformar algo reconhecível em experiências surreais, reinventando e reformando algo já existente. É como quando faço uma instalação de uma parede parece um tecido ou está derretendo, por exemplo. Todos sabem as funções de uma parede e como elas devem ser visualmente. No entanto, quando elas não seguem essas regras, o naturalmente reavalia todo seu entorno”, expõe o americano que se interessa pela arquitetura pelo fato de ser uma disciplina que depende da experiência humana para existir. “Os espaços não têm significado até alguém estar dentro deles”.
Na busca pelo mix do surreal e o mundano, ele não se “limita” ao mundo bidimensional da pintura ou ao tridimensional da escultura, design ou arquitetura, mas procura uma quarta dimensão... O tempo. Foi aí que começou a se envolver com a dança fazendo cenografia para ninguém menos que Merce Cunningham! “Dança e arquitetura dialogam o tempo inteiro. Dançar significa mover-se ‘para’ ou ‘pelo’ espaço e os bailarinos, assim como arquitetos, criam espaços...com seus corpos.”, explica o artista.
Direto de Singapura, falou com a Gemada sobre seus gostos e próximos projetos, como a exposição que abriu ontem na filial da Galerie Perrotin em Hong Kong e a performance que fará durante a Art Basel:
O que você pretende mostrar na sua exposição da China? Ainda está trabalhando com a experiência do furacão Andrew?
A mostra se chamará #futurearchive. A ideia é provocar um deslocamento do tempo...como se o presente se transformasse em um futuro sítio arqueológico. Por isso pintei moedas romanas e de civilizações antigas, mas usei também moedas obsoletas de Hong Kong e de 0, 50 de dólar. Também fiz algumas pinturas da superfície da lua recriando a chegada do homem no satélite.
Você trabalhou com o Merce Cunningham. Como foi colaborar com dos maiores bailarinos do século XX? Você está planejando uma apresentação com a Cia dele em dezembro, certo?
Trabalhei com ele nos últimos sete anos de sua vida e foi maravilhoso. Merce tem uma forma muito peculiar de trabalhar: coreógrafo, artista plástico e músicos criavam independentemente. Ou seja: eu não tinha a menor ideia do que ele estava fazendo enquanto elaborava o cenário. Este sistema criado por Merce era baseado na idea de “acaso” proposta por John Cage. EEm Dezembro, vou fazer uma performance chamada Occupant em parceria com um jovem bailarino da Cia do Merce, o Jonah Bokaer. Vou distribuir objetos feitos de gesso que têm alguma ligação com a ideia de tecnologia (muitas vezes já obsoletas) como microfones, câmeras fotográficas ou rolos de filmes. Estas peças vão fazer a marcação de palco e devem começar a se desintegrar enquanto os bailarinos estiverem dançando como se fosse o presente destruindo na nossa frente.
Quando você e o Alex decidiram criar o Snarkitecture? Com foi a escolha desse nome?
O nome nasceu de um poema de Lewis Carroll chamado The Hunting of the Snark no qual algumas criaturas procuram uma fera, mas não sabem o que é e nem onde procurar. E estes seres usam um mapa em branco para procurá-la! Assim, o objetivo do Snarkitecture é descobrir o lado amórfico da arquitetura. Nós dizemos que fazemos coisas que supostamente não eram para ser feitas. Montei este estúdio quando vi que existam possibilidades de expandir meu trabalho para uma grande escala...uma escala arquitetônica. O Snarkitecture é, portanto uma extensão do que já faço nas pinturas e esculturas.
Você pode nos explicar o processo da instalação DIG?
Quando fiz a DIG, queria mostrar outra possibilidade de construção de uma. Geralmente há um processo aditivo: construímos paredes, tetos que criam volumes. Com Dig, no entatno, optamos pelo método de subtração. Assim, toda a galeria foi tomada por um bloco de isopor e ao longo de seis semanas eu construí um espaço cavando. Foi um processo de subtração!
Qual é a sua opinião sobre autorretratos? Quais são seus objetivos quando faz as esculturas a partir do próprio corpo?
Você está falando das figuras de vidro. É uma forma de autorretrato sim, mas só por uma questão prática. Para fazer cada figura, eu preciso que uma pessoa fique parada no molde durante cerca de 5 horas. Isso para cada parte do corpo, o que totalizam cerca de 45 horas sem se mexer. E até agora eu sou a única pessoa que encontrei que está disponível para fazer isso.
O que a expressão “design art” significa para você?
Meu trabalho é uma espécie de linha de cruzamento entre arte, performance, arquitetura, teatro e filme.Geralmente misturo todas estas disciplinas e as possibilidades de expressão sem distinguir, por exemplo, o momento em que estou idealizando um cenário ou pintando uma tela. Os processos são parecidos e minha sensibilidade estética está presente em todas estas formas.
Você nasceu em Miami, certo? Pode citar os três lugares que mais ama?
Meu lugar favorito é definitivamente o Miami Marine Stadium. Depois seria a instalação que criei com o Alex no Marlins Ballpark e o terceiro é uma ilha pequena e inabitada que fica no meio da baía.
Se você pudesse morar dentro de uma obra de arte, qual seria?
Em uma pintura de Ellsworth Kelly!
Qual tipo de música você escuta enquanto trabalha?
É o Alex que comanda o som do ateliê e geralmente escutamos hip hop...bastante alto.
Uma viagem marcante?
A viagem que estou fazendo agora com minha mulher e meu filho. Começamos em Amsterdan, depois fomos para Londres e agora estamos em Singapura. Semana que vem vamos para o Japão e terminaremos em Hong Kong para a abertura da minha individual na Galerie Perrotin.
Se você fosse um personagem de um filme, qual seria?
Alice no País das Maravilhas, pois as manipulações e transformações arquitetônicas do filme são bastante inspiradoras. Eu seria a Alice. Também poderia ser o Max de Onde vivem os monstros.