
Dos terraços da Villa La Quieta, há uns 50 anos, teria sido possível ver Le Corbusier nadando no mar. Seu célebre Cabanon, onde costumava passar férias, fica bem ali embaixo, junto a outra construção famosa, a Villa E-1027, de Eileen Gray. Situado na Costa Azul, o pequeno vilarejo de Roquebrune-Cap-Martin atraiu, ao longo do tempo, inúmeros personagens, incluindo os irmãos Wright, pioneiros da aviação – que mandaram construir esta casa ainda no início do século 20. Hoje, quem mora aqui é Céline Marcato, curadora e galerista de design que mantém vivo o espírito desbravador e irrequieto do local. “Nunca parei em lugar algum”, diz. “Em 20 anos, eu vivi em todos os cantos, rodei o mundo.” Sua referência, porém, não são os célebres aviadores.

A poucos passos do edifício principal se avistam as paredes vermelhas da Villa Auziera, a outra casa que faz parte da propriedade. “É um tributo a Le Corbusier. A sala com a lareira ao ar livre remete à que Corbu havia feito para Charles de Beistegui, na Champs Élysées, em Paris.” Céline hospeda, na Auziera, designers internacionais num programa de residência artística em que os visitantes são tomados pelo genius loci, o espírito local. O chileno Sebastian Errazuriz foi o último a estar presente. No jardim, cuidado pela paisagista Anna Peyron, Winston Churchill vinha pintar suas telas tal qual um impressionista tardio.

A Villa La Quieta, por sua vez, é frequentada regularmente por designers de fama internacional. Johanna Grawunder, por exemplo. “É uma amiga”, conta Céline. “Recentemente, uma ideia para uma nova peça – um lustre espetacular – lhe ocorreu justamente quando estávamos no terraço.” Os irmãos Campana também já estiveram aqui em inúmeras ocasiões. “Na minha opinião, são simplesmente geniais – e nem estou levando em consideração meu afeto por eles”, continua a galerista. “As criações deles têm poesia, inteligência, beleza – diante delas, sorrimos sempre. Muito antes de tantos outros, os designers souberam enxergar e interpretar os cruzamentos culturais do mundo contemporâneo.” No piso superior, no quarto da filha de Céline, um toque de doçura: o armário Ripado, dos Campana, guarda os bichos de pelúcia da menina, cuja multiplicidade de cores se vê através das lascas de madeira.

A casa em si é fonte de inspiração: se alternam peças históricas do design italiano, de Gio Ponti a Gino Sarfatti, e itens contemporâneos, de Andrea Branzi, Martin Szekely e dos Formafantasma. São parte do trabalho da proprietária, que cuida de tudo em período integral; em junho, sua galeria Gate 5, que fica em Mônaco, participou pela primeira vez do Design Miami/Basel. O escritório de Céline fica escondido no jardim, na antiga capela, com uma vista de perder o fôlego.

A restauração da construção principal e da vizinha Villa Auziera leva a assinatura do arquiteto italiano Lorenzo Berni, professor de restauro arquitetônico no Politécnico de Milão e grande admirador da obra do pai do modernismo. Como se não bastasse, a galerista conta: “Duas vezes por semana eu corro até o cemitério de Roquebrune, e depois do exercício visito o túmulo de Le Corbusier”. O santo protetor da morada, portanto, parece óbvio. Não fosse por um detalhe: as notas musicais desenhadas na escadaria de entrada, no jardim. “É a Ballade de Johnny-Jane, de Serge Gainsbourg”, explica Céline. “Minha filha de 5 anos se chama Jony Jane. Esta casa é para ela.”



