“Eu vim para o Brasil em 2004 para ficar três meses, acabei ficando mais três meses, mais três... E estou aqui há nove anos”, diz o catalão Daniel Steegmann Mangrané, que tem, a partir de novembro, obra exposta no Videobrasil. Selecionado também para eventos do porte da Bienal de São Paulo, Bienal do Mercosul e Panorama da Arte Brasileira – organizado pelo MAM –, ele vem se revelando como o artista “brasileiro” must see, mas poderia ter sido também um biólogo ou antropólogo de sucesso: animais, florestas, frutas e cultura indígena nacionais lhe despertam interesse. Essa curiosidade se eleva a obra de arte de qualidade rara em sua geração.
Daniel veio ao Brasil depois de estudar artes plásticas e fotografia em Barcelona, pois queria conhecer a Amazônia e admirava Cildo Meireles, Antonio Manuel e Hélio Oiticica. Ainda em seu país, onde tinha um ateliê com uma laranjeira no jardim, idealizou Naranja deprimida depois de ler um texto em que Bruno Munari compara as formas e possibilidades de representação da laranja e da rosa. Já em terras brasileiras, mergulhou na cultura indígena, o que o levou a pensar na instalação Kiti Ka’aeté (em tupi-guarani, “ka’aeté” significa um bosque profundo e mitológico, enquanto “kiti” expressa algo cortado), para a qual ele recortou fotos de nossas florestas seguindo padrões de artes abstratas dos índios, e em Masks, uma seleção de folhas de plantas comestíveis, medicinais e usadas para rituais, com pinturas douradas que também seguem os desenhos tribais. “Naquele espectro de plantas, reuni três diferentes formas da representação do homem: religião, subsistência e ciência”, explica.
Em suas andanças, o artista também encontra animais que o instigam: “A ave teque-teque faz um som muito forte e meio irregular, então resolvi editar as imagens que fiz na floresta no mesmo ritmo do canto dela”, conta, sobre a obra Teque-teque, que estará no Videobrasil. Já o bicho-pau que encontrou no Museu do Açude o levou a pesquisar sobre a feitura de hologramas, pois queria representá-lo em toda a sua complexidade, e a imagem 3D parecia ser essencial para isso. “É um inseto extremamente frágil e, ao mesmo tempo, resistente.”
Mestre em combinar o intercâmbio de imagens, formas e linguagens, Daniel instiga uma alteração do estatuto dos objetos e de nossa percepção dos mesmos. Seu trunfo é a predisposição para migrar de uma mídia para outra, enriquecendo-as com colaborações. “Sempre procuro a forma ideal para apresentar o meu problema e busco especialistas para me ajudar. Assim, aprendo muito no processo também.” O resultado? Instalações, pinturas, filmes, fotografia, escultura – tudo bem pensado e com qualidade indiscutível.
Arte em Foco
Apesar de ter a palavra “Brasil” em seu nome, o Videobrasil não apresenta somente obras brasileiras. “Procuramos escolher artistas relevantes do sul geopolítico, como América Latina, Caribe, África, Oriente Médio, Europa do Leste, Ásia e Oceania”, afirma Solange Farkas, criadora do festival, que nasceu há 30 anos, quando a videoarte ainda não tinha se estabelecido no mercado – daí o nome. Mas, hoje, o mix de linguagens é democrático, com pintura, escultura e instalação. Espalhado pelo Sesc e instituições como Pivô e Casa do Povo, o festival traz artistas jovens a prestar atenção, como o gaúcho Luiz Roque, que apresentará Geometria Descritiva, um vídeo apocalíptico e poético no qual um vidro quadrado em meio a uma paisagem é quebrado, e esse movimento é mostrado de trás para a frente. “O início do vídeo é uma imagem prata abstrata. À medida que os cacos do vidro se recompõem, a paisagem aparece. A ideia era desconstruir o mundo e, em seguida, reconstruí-lo para criar algo belo e ao mesmo tempo violento”, diz Roque. Até 2 de fevereiro de 2014. site.videobrasil.org.br
* Matéria publicada em Casa Vogue #339 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)