Vitor Machado Lira, brasileiro radicado nos Estados Unidos, é consultor associado da empresa Circlepoint, que atua fazendo projetos ambientais e comunicação para entidades públicas e empresas privadas que planejam executar grandes obras. A Circlepoint promove o diálogo entre o órgão ou empresa e a comunidade que será afetada, desde as etapas iniciais do planejamento até a execução do projeto.
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Nesta entrevista para o Arq.Futuro, ele conta sobre os benefícios de se promover esta comunicação e a forma estruturada que encontraram para promover o diálogo entre técnicos especializados e cidadãos leigos de forma a construir decisões bem informadas.

Arq. Futuro: Qual foi o papel da consultoria no desenvolvimento de novos projetos?
Vitor Machado: Participei, como consultor da Circlepoint, de três projetos recentes: na cidade de San José, foi o projeto Smart Moves San José, visando o aumento do uso de transporte público; para a Universidade de Stanford, colaborei com as novas moradias para estudantes de mestrado e Ph.D., e, na cidade de Palo Alto, trabalhei no projeto de re-design do corredor ferroviário que divide a cidade. Nos três casos, nosso trabalho envolvia promover a comunicação entre as partes, ou seja, viabilizar o diálogo entre a organização proponente do projeto e a população a ser beneficiada ou afetada. A metodologia para estabelecer esse diálogo é chamada de structured decision making, que pode ser traduzido como “construção estruturada de decisões”.
A.F E como esse método funciona?
V.M: Uma grande obra, seja ela pública ou privada, sempre afeta as pessoas que habitam ou frequentam o entorno. Este método tem por objetivo permitir que o proponente e a comunidade cheguem às decisões juntos, em diálogo. Consiste em apresentar à comunidade as diferentes formas que o projeto pode tomar, e revelar os prós e contras de se fazer o projeto pela forma A, B ou C. Assim, a comunidade é envolvida para se manifestar, ter ideias e expressar os seus valores.
É um esforço consciente de superar certas estratégias convencionais de tomada de decisão em grandes projetos, em que o diálogo com o público era muito limitado, consistindo apenas em notificações unilaterais, tomada de decisão de cima para baixo, e eventuais compensações financeiras aos afetados.
Neste processo, portanto, as prioridades e necessidades da sociedade são refinadas e expressas em seus planos para o presente e para as gerações futuras. Ele é uma ferramenta para gerar soluções tangíveis, híbridas e flexíveis para problemas diversos de acordo com um contexto específico. Trata-se de um caminho para evitar batalhas ideológicas, partidárias ou legais, realizando exercícios de coletividade que permitem que o cidadão seja envolvido, ouvido, representado e relevante.
A.F. Em que momento de um projeto de desenvolvimento urbano este método é posto em prática?
Idealmente, desde as fases iniciais de concepção do projeto. É a raiz de qualquer intervenção do governo ou da iniciativa privada. Se o governo vai fazer um projeto, ele deve criar uma plataforma online, ou pôr gente na rua distribuindo panfletos para engajar a comunidade, identificar as percepções do público, discutir soluções possíveis para os problemas que podem surgir. A partir dessa coleta de percepções é que especialistas do governo, academia e setor privado criariam as propostas.

A.F: E quais informações podem ser levantadas neste primeiro contato?
É possível identificar, por exemplo, que os técnicos veem um problema que a população não vê e nestes casos faz-se uma campanha educativa, de conscientização. Por vezes, a população não sabe que o seu bairro poderia estar melhor, que eles poderiam ter melhor qualidade de vida fazendo ajustes, então cabe aos especialistas mostrar por que eles avaliam que o bairro deveria receber aquela intervenção, e de que formas isso poderia acontecer. Assim, a população toma consciência do benefício em potencial.
Em qualquer projeto, é preciso também mostrar para as pessoas interessadas ou impactadas qual será o investimento, quanto dinheiro, tempo e esforço estão implicados nas soluções possíveis. Como um alfaiate, é preciso tirar as medidas para ter o conforto. Não adianta fazer um prédio muito complicado, como um vestido todo elaborado, se quem vai vestir quer um vestido simples, preto e branco. Não se pode ignorar quem vai usar, quem vai ser afetado.
A.F: Esta forma de promover a comunicação durante o processo de desenvolvimento de grandes projetos é uma novidade?
Sim. Só vi isso ser implementado na Califórnia. Está saindo agora do contexto acadêmico, de universidades como a de Michigan, e indo para fora, para projetos em execução. Está sendo aplicado para infraestruturas de fornecimento de energia, por exemplo.
A.F: Há conflito entre a forma tradicional de tomada de decisão em projetos públicos, em que o político eleito decide sozinho, e esta nova forma, que envolve a participação direta? Como os políticos estão lidando com esta novidade?
O envolvimento do público, tradicionalmente, é apenas eleger, autorizar o político a tomar as decisões. Mas, depois, para implementar o projeto, é importante que o político eleito consulte a população de novo. Pode ser online ou fisicamente, em praças e eventos frequentados, para perguntar às pessoas o que elas acham, ouvir ideias, sugestões, e criar um relacionamento de colaboração para que o projeto seja elaborado em consultas.
Na execução do projeto é que serão definidos diversos aspectos e características que têm grande importância para a comunidade local, como elementos de design, possíveis custos adicionais, possíveis benefícios.
Detalhes vitais, que vão levar ao sucesso ou fracasso do projeto, não podem ser determinados pelo político e seus técnicos sozinhos. É fundamental envolver a comunidade para que o projeto e sua execução tenham legitimidade.
A comunidade é uma stakeholder, uma parte interessada, que tem a ganhar e perder com os detalhes do projeto. Se vai ser feita uma ciclovia, é preciso consultar a comunidade para definir onde serão os pontos de acesso, quanto vai custar se for feito de uma forma ou de outra, se vai estar aberta todos os dias etc. Executar de maneira transparente e em diálogo com as pessoas é que leva a um projeto bem-sucedido. Se o público não está envolvido na execução, o voto é, essencialmente, cego.
A.F Poderia citar um exemplo em que esse diálogo ocorreu?

É o caso do projeto em que trabalhei para a prefeitura de Palo Alto. Há uma linha férrea que corta a cidade, e a circulação de um lado para o outro da linha é difícil, há poucos cruzamentos.
A prefeitura nos convidou para avaliar a visão dos moradores sobre isso, pensar possibilidades de mudança, seus custos e benefícios. Discutiram-se os detalhes: como ficariam as ruas, os ramais, quais abertos, quais fechados. Fizemos discussões com os representantes e também workshops. As pessoas se uniram e criaram o projeto, e depois os consultores fizeram os cálculos e apresentaram as soluções mais viáveis, os custos de cada uma. Portanto, para uma comunidade ter o desenvolvimento local que deseja, ela deve ir além de eleger os políticos.
Essa mudança de perspectiva traz para o político, ou para o representante do projeto, a responsabilidade de servir a população, ser o alfaiate que cria a medida certa. Muito diferente da mentalidade que se vê normalmente entre os políticos, em qualquer lugar do mundo.
A.F: E em lugares em que a população é menos educada, é possível aplicar esse processo de tomada de decisão?
É possível, seguramente. Para populações com muita ou pouca educação formal, o desafio é o mesmo: como traduzir os desejos do cidadão comum, leigo, para os especialistas, as pessoas que vão criar o desenho executivo do projeto, que vai realmente ser executado? E como traduzir os cálculos e projetos técnicos de volta para a comunidade? Tive um professor, Joseph Arvai, que fez isso num vilarejo na Tanzânia, para identificar as preferências dos moradores para filtrar água. Fez-se uma tabela com desenhos, e as pessoas apontavam ali as suas preferências.
As pessoas consultadas, na sua maioria, não tinham formação sobre os diferentes métodos de filtragem, seus custos, vantagens e desvantagens. Até então, o que faziam era buscar água num poço a 15 quilômetros da aldeia.
Os pesquisadores apresentaram os vários métodos, mostraram os equipamentos, fizeram juntos os experimentos para identificar a presença de bactérias, e os moradores experimentaram a água produzida por cada método de filtragem, sentiram o gosto, avaliaram a aparência, o tempo que demorava cada processo, quanto custaria, e assim a comunidade decidiu. Não foram os cientistas que decidiram. Não era uma comunidade de pessoas formadas como em Palo Alto. Mas o processo de tomada de decisão foi um sucesso, a população se informou sobre as vantagens e custos de cada método possível e tomou sua decisão.

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