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Gente fina, elegante e sincera (!)

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Marcius Galan  (Foto: Bruno Simões )

“Volte daqui um ano”, disse Luisa Strina ao jovem Marcius Galan que ainda cursava Artes Plásticas na Faap. “Realmente...um ano depois eu olhei o que tinha levado para ela e percebi que era muito ruim”, explica o artista de Bauru em seu ateliê em Santa Cecília. Hoje Marcius é um dos mais reconhecidos artistas da cena contemporânea brasileira: já esteve no Panorama do MAM, na Bienal de São Paulo, venceu o prêmio PIPA e, no ano passado, foi um dos escolhidos pela turma da White Cube para expor na filial londrina da galeria.  A partir do dia 20 de março, apresenta Como dobrar uma bandeira como desdobrar na galeria Silvia Cintra + box 4, no Rio de Janeiro, e  Experimentando espaços no MCP, em São Paulo. No segundo semestre, Bienal de Vancouver e Palais de Tokyo, em Paris. A pesquisa é sólida. A execução é precisa. A estética é minimalista. E os temas, provocativos.

Acompanho o trabalho de Galan há um tempo, mas me apaixonei mesmo no dia 05 de setembro de 2012 quando liguei para seu celular para conversar sobre a obra que pretendia expor no MAM RJ no mês seguinte. Explico: o artista era um dos finalistas do prêmio PIPA – organizado pelo Museu de Arte Moderna e um fundo de investidores – e deveria apresentar uma pequena individual no museu para que público e jurados escolhessem o vencedor. Obra de arte em cinco vias tratava de um desconforto em relação ao próprio regulamento do prêmio que prevê a doação de duas obras do artista (uma para o museu e outra para a empresa investidora) como contrapartida aos 100 mil reais oferecidos ao vencedor. Vale lembrar que, considerando a qualidade do trabalho dos artistas escolhidos, uma obra deles pode chegar facilmente a este valor. Ou seja, parece mais uma aquisição disfarçada de prêmio.

Marcius, então, resolveu mostrar uma única via de nota fiscal para o artista (no caso, ele), outra para o museu, mais uma para o fundo de investidores, a quarta para curadores envolvidos na votação e, finalmente, um bloco com infinitas notas dispostas para o público – quem visitasse a exposição poderia, assim, levar um pedacinho da obra.  Ao lado, estaria o Contrato, um documento de propriedade assinado por Luisa Strina. A ideia era simples: após o término da mostra, o trabalho estaria disperso e, para montar uma nova exposição ou arrematar uma venda, seria preciso entrar em contato com todas as partes envolvidas. E advinha quem ganhou o premio naquele ano? Marcius Galan, um artista elegantemente sincero. “Não era somente uma crítica ao prêmio. Eu queria, na verdade, criar uma discussão sobre a obra e sua relação com o mercado. O mais bacana é pensar nas possibilidades de união da obra no futuro, pois será necessário reunir todo o público que visitou o MAM naquele período”, me explica exatamente um ano depois daquela ligação.

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: Galeria Silvia Cintra + Box4)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

Era terça feira. Galan nos encontrou na porta do ateliê em Santa Cecília depois de deixar o filho, Miguel, na escola ali perto. Representado pela melhor galerista do país, ele conta que o pontapé inicial para sua carreira partiu de Dora Longo Bahia, sua professora na faculdade, que tinha um projeto chamado Outdoor para o qual ela chamava alunos para expor no lado de fora da galeria Luisa Strina. Sua produção, no entanto, era ainda pouca na época e ele chegou a trabalhar na Editora Três e na MTV para sustentar a vida em São Paulo. “Fui para o Rio com 17 anos estudar teatro no Tablado e Belas Artes na UFRJ. Só depois que eu entrei no curso da Faap.  Eu não tinha pressa na época, preferi pensar na minha linha de trabalho com calma e, enquanto isso, trabalhava como designer gráfico”, conta sentado na cadeira formiga do espaço ao lado de uma janela com luz primaveril. O primeiro ateliê na Barra Funda acabou se transformando em ponto de encontro para reuniões, aos sábados, com Dora Longo Bahia, Felipe Chaimovich e Edu Brandão, entre outros, para discutir os trabalhos de vários artistas.

E foi lá que ele teve sua primeira individual, em 1998. “Sempre tinha uma palestra e uma festa depois da abertura das exposições que montávamos, mas eu não pude ficar para a minha, pois tinha que voltar para Bauru para um casamento”, recorda o artista que naquela época já começava a pesquisa em torno da funcionalidade e materialidade dos objetos a partir do próprio processo de produção. No caso de Sino, feito de vidro e ferro, por exemplo, a função “produzir som” se perde por conta da natureza dos materiais. “Existem duas possibilidades: 1. Alcançar a função e, ao mesmo tempo, a autodestruição. 2. Continuar a existir em silêncio, reprimindo a própria essência”, explica.  O mesmo acontece com os Isolantes: ao fazer fitas de aço, Galan propõe um movimento impossível. A fita – que amarra objetos mundanos (pense em cadeiras, tijolos e garrafas) ou propõe diálogos com a arquitetura dos espaços expositivos – é aparentemente elástica, mas a incapacidade de movimento é reconhecida a partir da percepção da matéria inusitada.

Galan acentua, assim, a disparidade entre o modo como percebemos os objetos e sua existência física real e, com esta falsa relação com o material, nos provoca. Desestabiliza as certezas do espectador sobre existência corpórea do espaço e sua representação – vale ressaltar, neste caso, a série Seção Diagonal: paredes, teto e chão são pintados do mesmo tom de verde de um vidro, enganando os olhos do espectador que acredita se tratar de um espaço protegido por uma vitrine. “Minha intenção não é apenas enganar os olhos. Longe disso. Quero propor uma relação profunda entre a audiência e o objeto para que as pessoas examinem o seu papel no espaço.”

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

Toda vez que vou a uma abertura de exposição na Galeria Luisa Strina, reparo em Galan ali sentado na mesa dela... Uma conversa sempre com ar fraternal. Mãe e filho. Mestre e discípulo.  Pergunto, então, sobre a relação do artista com a galerista. “Gosto, é claro, de discutir os trabalhos com os curadores e galeristas, mas quando eles estão em um estágio mais avançado. Não dá para defender uma ideia antes de você mesmo acreditar nela. Preciso desenvolver inquietações primeiro. Também não descarto nada antes que fique pronto”, declara. E estas questões às vezes vão e vem. É por isso que ele, durante uma temporada em Paris, começou a fazer seus “cadernos confusos” (como o próprio artista define) de ideias. “Desde 1998 eu coloco tudo nos cadernos...sem cronologia ou critérios racionais. Sentimentos, desenhos, pedaços de papel, fotos, comentários sobre exposições. Às vezes volto a eles e percebo que algumas ideias nasceram lá atrás e foram se desenvolvendo. Outras vezes retomo algo que já tinha apagado”. Entre o registro do aniversário de sua esposa, Juliana Pongitor, a foto de um croissant ou um desenho incompleto, nos deparamos com as páginas destinadas a experiência em Londres.

Ao ganhar o prêmio Pipa, Galan também foi abonado com uma residência em Gasworks, na Inglaterra. “Na época eu estava pensando na divisão do espaço burocrático, mas era uma pesquisa que não se aplicava para Londres. Tem mais a ver com o Brasil. Insisti, no entanto, na questão do espaço”, recorda. Lá começou a pensar sobre a demarcação aleatória do Meridiano de Greenwich. “Não existe sentido matemático ou geográfico, é só uma questão política que virou referência para o funcionamento do mundo”. A constatação o levou a refletir sobre fronteira e a definição de espaços – assuntos que já eram abordados, de certa forma, em Isolates já que se trata de esculturas se inspiram da apropriação informal de espaços públicos e não deixam de definir, enquanto obra de arte, o próprio espaço expositivo.

Veio, então, a intriga sobre a matemática e a nossa relação com a precisão. “Os elementos gráficos tanto na matemática quando nos mapas não obedecem a escalas reais, logo qualquer tipo de precisão é relativa. Pense, por exemplo, na definição de peso: Em um dado momento foi definido que uma bola correspondia a um kilo e, assim, inventou-se a balança. Ao longo dos anos, no entanto, as balanças ficaram mais precisas e a bola variava com a mudança de calor e outras condições externas. Desta forma, quanto mais isolado do mundo [por molas e câmeras de ar], mas preciso e eficiente é o aparelho. No entanto, para mim, parece insano pensar que um aparelho feito para medir as coisas do mundo tenha que estar isolado deste mundo”, ilustra o artista. Foi aí que nasceu o trabalho que apresentou na Bienal de São Paulo: Ponto em Escala Real, escultura que torna literal a representação de um ponto que ilustra uma cidade em um mapa. “Queria mostrar a diferença entre o ponto como elemento gráfico do espaço e a experiência real”. Já em Entre, separou alguns mapas de regiões com problemas de fronteira e fez uma aproximação para chegar no 1:1 (escala real).

Fã de Paulo Mendes da Rocha e sua facilidade em transitar entre a poesia e a funcionalidade, Galan acredita na arte como uma relação do homem com o mundo. “Eu acho muito importante pensar nas questões que um trabalho pode levantar, seja uma pintura, uma instalação, uma peça de teatro ou um edifício”. Não à toa, adorou o filme brasileiro O som ao Redor. Não à toa, depois de viajar o mundo, sua viagem mais marcante foi quando, na 6a série, veio pela primeira vez a São Paulo. Não à toa, seu momento preferido do dia é o acordar. Acordar, ver e questionar o mundo. 

No final daquela manhã de terça-feira, o papo foi tão bom que nos esquecemos de comer o pão de queijo que o Marcius havia feito. Ele precisava sair para buscar Miguel na escola. A vontade de ficar era natural. E a conclusão foi repentina: Além de elegante e sincero, Galan é super gente fina.

Marcius Galan  (Foto: Bruno Simões )

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

Marcius Galan  (Foto: divulgação)

 

 

 


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