Observar o vão livre do Museu de Arte de São Paulo – MASP tomado por participantes das recentes manifestações populares por um Brasil melhor emociona e faz pensar sobre o caráter libertário da produção de Lina Bo Bardi (1914-1992), autora desse ícone visual da capital paulista. Este ano, a profissional única e de atuação interdisciplinar, cujo legado marca a cultura brasileira, faria 100 anos. “Encaminhamos ao Ministério da Cultura um projeto que, para lembrar a efeméride, prevê desde exposições até a produção de um média-metragem e a reedição de livros sobre sua obra”, conta o arquiteto Renato Anelli, diretor do Instituto Lina Bo e P.M. Bardi. A sede da entidade fica na conhecida Casa de Vidro (1950), construção racionalista idealizada por Lina, no bairro paulistano do Morumbi, para viver com o marido, o historiador e crítico de arte Pietro Maria Bardi, criador do MASP, ao lado de Assis Chateaubriand.
Dentre outros projetos, destacam-se ainda o restauro do Solar do Unhão (1963), em Salvador, conjunto arquitetônico do século 17 que abriga o Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM-BA, e o Sesc Pompeia (1977), em São Paulo, antiga fábrica transformada em centro cultural. São espaços eminentemente democráticos. “O que vai além do ‘particular’, o que alcança o coletivo, pode (e, talvez, deve) ser monumental”, escrevera Lina em meados dos anos 1960. Para o arquiteto Marcelo Ferraz, as obras traduzem um traço fiel: “O desejo de transformar a realidade”. Ele e o também arquiteto André Vainer, que colaboraram com ela por 15 anos, são curadores de uma das exposições programadas para este ano.
Multifacetada, Lina foi também cenógrafa, editora, ilustradora e designer. Um exemplo emblemático de seu mobiliário é a poltrona Bowl (1951), orgânica e ajustável conforme o desejo do usuário, e agora editada industrialmente pela italiana Arper.
Há ainda belas peças de madeira, de desenho mais seco e essencial, como as cadeiras Girafa e Frei Egídio, desenvolvidas nos anos 1980 em parceria com Ferraz e o arquiteto Marcelo Suzuki.
Suzuki é também organizador e autor do projeto gráfico de um dos livros esgotados de Lina a serem reeditados: Tempos de Grossura: o Design no Impasse, postumamente publicado pelo instituto, em 1994. A publicação reúne textos reflexivos seus e de outros autores, como Jorge Amado, Ariano Suassuna e Glauber Rocha, acerca de uma produção genuinamente nacional e livre de contaminação estrangeira – denominada por ela “pré-artesanal”. Foi sobretudo entre os anos de 1958 e 1964, quando viveu em Salvador, que a profissional aprofundou-se na cultura popular nordestina. A experiência influenciaria sua produção de maneira notória.
Naturalizada brasileira em 1951, Achillina Bo nasceu em Roma, onde se formou em 1940, tendo trabalhado em Milão com o arquiteto Gio Ponti. Em 1946, no pós-guerra, casou-se com Pietro Maria Bardi e trocou a Itália pelo Brasil. Morreu aos 77 anos, em sua querida Casa de Vidro. A comemoração de seu centenário é bem-vinda tanto quanto a conservação de suas obras e o respeito a elas. Aquele mesmo MASP do (espera-se, para sempre) vão livre teve, por exemplo, o projeto expositivo concebido pela arquiteta alterado na gestão de Julio Neves, que presidiu a instituição de 1994 a 2008. Hoje, não mais se exibem as obras do acervo afixadas nos suportes de vidro com base de concreto. O resultado? “Uma geração inteira não pode conhecer a ideia original de Lina”, alerta Anelli.
São Paulo, Roma e NY abrigam exposições
O Sesc Pompeia, na capital paulista, trará, em setembro, a mostra A Arquitetura Política de Lina Bo Bardi, na qual os curadores Marcelo Ferraz e André Vainer enfocam três obras: o MASP, o Solar do Unhão e o próprio Sesc. O viés é dado pelos diferentes momentos da política brasileira em que os projetos se inserem: desde o desenvolvimentismo, passando pela ditadura militar até a reabertura gradual.A exposição será levada, posteriormente, a Roma.
Em paralelo, o centro cultural paulistano expõe Lina Gráfica, com curadoria de João Bandeira e Ana Avelar. “Terá ilustrações feitas por ela para a revista brasileira Habitat”, conta Elisa Maria Americano Saintive, gerente do Sesc Pompeia. A publicação foi criada em 1950 pela arquiteta.
Já em 2015, quatro projetos da profissional integrarão uma exposição sobre arquitetura latino-americana no MoMA, em Nova York. “Lina definiu um novo ethos e uma nova estética ao trabalhar estruturas históricas e criar instituições socialmente engajadas”, opina Barry Bergdoll, curador-chefe de arquitetura e design do museu americano.