A culpa é do Carlos Mota. Quando menino, o jovem Rodrigo Silveira já gostava de desenhar e a mãe, Shirley Silveira, que é artista plástica, entrava na brincadeira: mandava fazer esculturas de metal a partir dos desenhos do filho caçula. Foi cursando desenho industrial na Faap, no entanto, que ele se apaixonou pela marcenaria. “Tive aula com Carlos Mota e fiquei meio apaixonado por tudo o que ele fazia...especialmente pelo lifestyle”.
As coisas, no entanto, demoraram um pouco para acontecer e ele chegou a trabalhar como diretor de arte, mas o design gráfico não era a sua onda. A “onda” de Rodrigo, aliás, é surfar mesmo. Por isso, depois da faculdade, atravessou continentes para morar em um carro viajando com amigos pela costa australiana. “Acho que foi a vida mais simples que já consegui levar...tinha umas 6 peças de roupa no máximo”. Momento inesquecível? “Em Uluwatu, na Indonésia, caí de uma onda e ralei as costas nos corais... lembrei dela todos os dias por muito tempo”, brinca.
Ainda durante os estudos, havia começado a desenhar móveis para escritórios. “Desenhar era fácil, mas a produção dava tanto problema que resolvi botar a mão na massa para aprender melhor como funcionavam os processos. Aí me apaixonei de vez pelo manual” conta. Quando voltou de viagem, dedicou-se, enfim, à marcenaria com afinco e fez 6 anos de curso no Cose di Legno (famosa escola de marcenaria em Pinheiros comandada por Piero Calò) .
Em 2008 abriu a marca O Rodrigo que fez sem muita pretensão...“ Era um esquema super simples e funcional. Eu fazia banquinhos e os mandava pelo correio. Eram peças coringas e foi um sucesso ”. Mal sabia que “o fazer” se tornaria mais que uma paixão e sim um a bandeira: No início deste ano, se uniu a amigos Bruno Lima, da Labmob, Lucas Neves, da Arbol, Raphael Accardo, da Racc Design, e Leonardo Padilha, da marcenaria 12 Polegadas, para montar o grupo Feito à Mão que incentiva a valorização de técnicas artesanais. “Muita gente já faz peças handmade, mas o consumidor final não reconhece o produto. Por isso, estamos criando um selo ´feito à mão´ para colocar nas peças”, explica o designer que quer garantir um processo inteiramente manual da mesma forma que o selo FSC preza pela a procedência das madeiras usadas no Brasil.
E quando o assunto é madeira, Rodrigo é extremamente cauteloso. Está sempre em contato com engenheiros florestais para entende melhor os processos de extração e as leis fiscais. Sua madeira preferida é a imbuia, mas ele evita usá-la no momento para evitar bad vibe nas suas peças. “Ela tem cheiro bom, textura boa, dureza boa... mas foi tão usada que o corte foi proibido há dois anos (é da mata atlântica) e, por isso, a quantidade disponível no mercado é bem pequena. Outro dia tentaram me vender um pedaço de madeira que ainda estava molhado... Portanto, foi cortado recentemente. Ou seja, era ilegal. Por essas e outras, acabo não confiando na procedência.” Madeira mais desafiadora? “A sucupira, com certeza. Até criei uma alergia e, se não usar mascara, fico com sinusite. Ela é super dura, enche a mão de farpas, tem um veio super tensionado. Mas o resultado final é demais”, esclarece.
Todo discurso do designer, vale notar, é extremamente consciente e suas propostas um tanto nobres. Desenvolveu a Poltrona Amarela, em parceria com Bruno Lima, que pode ser feita com apenas meia placa de madeira compensada. “A ideia é propagar o design e o Feito à Mão. Por isso, pensamos em uma forma que possibilitasse o uso de pouco material [e barato] e disponibilizamos o desenho na internet [entre em contato aqui] para qualquer pessoa produzir a peça”. Projetos para o futuro? Colocá-lo em bibliotecas públicas.
Uniu-se, mas uma vez, aos amigos designers com ateliê na Barra Funda para criar e produzir alguns mobiliários urbanos. Ao passar pelo bairro, repare no primeiro produto da turma: banquinhos presos aos postes!
Um sonho? Ir até a Amazônia para cortar a própria árvore e fazer dela cadeiras-conceito, participando, assim, de todo o processo de criação: da tora até o produto final. “Seria, claro, dentro de uma empresa dentro das normas do Ibama que usam o sistema de manejo [tiram as árvores mais velhas que morreriam em pouco tempo. Com isso, evita-se que ela derrube outras espécies jovens e garante-se a entrada de mais luz para estimular o crescimento de outras]. A ideia é explorar o nativo da melhor forma, o que é diferente do reflorestamento...o aproveitamento é cerca de 3 vezes maior nesse processo, pois a madeira é cortada no tempo e forma correta”, explica.
Mas a qualidade do produto não pára na matéria prima. Ele estuda e reflete sobre os problemas e soluções desenvolvidas por outros marceneiros para alcançar o melhor resultado: “Acho interessante olhar para trás e ver como as coisas eram feitas. Comecei a questionar, por exemplo, o que era usado para selar a madeira antes do verniz. Passei, então, a experimentar a cera e o óleo. Demora muito para secar, mas o resultado é melhor”
Outro sonho? “Gostaria muito de criar mobiliário para museus, galerias ou bienais. Gosto da ideia de fazer móveis para sentar e contemplar uma obra por um tempão”,revela o marceneiro que vende suas peças na Galeria Nacional, Galeria Almeida & Dale, além do próprio galpão que montou há um ano com máquinas centenárias compradas no interior de São Paulo e restauradas.
“Adoro o cheiro e o toque das diferentes madeiras, mas às vezes elas irritam um pouco. É uma relação de ódio também porque o processo é bastante demorado...passo dias lixando” conta o artista que leva cerca de 3 semanas para produzir um protótipo novo. E quando cansa de tanto serrar e polir, desliga o som (Ramones pra competir com o barulho das máquinas!), fecha o portão do ateliê grafitado por Onesto e vai até a oficina dos amigos da Barra Funda.