As tatuagens que o arquiteto Guilherme Torres tem pelo corpo vêm trazendo bons ventos à sua trajetória. “Em gera, o arquiteto evoca uma imagem tradicional. No ramo, sou precursor deste visual, me dá sorte”, afirma o paranaense de 40 anos, nascido em Cianorte, que tem seu lema eternizado no braço esquerdo – “work it harder, better, faster, make it over” –, inspirado na letra de Harder, Better, Faster, Stronger, da dupla francesa Daft Punk e, no direito, figuras que remetem a um jogo de Atari. “Fui campeão de Space Invaders nos anos 1980”, conta o profissional, que vem jogando na arquitetura com uma linguagem apoiada na cultura pop contemporânea e na brasilidade.
Foi o amarelo da bandeira brasileira que se converteu no ponto de partida desta casa de 1.050 m² de área construída, no bairro Cidade Jardim, em São Paulo. “Adorei a proprietária ter esta cor em mente ao me contratar. É símbolo da criatividade, do otimismo, da prosperidade e da felicidade. Comprei a ideia na hora, tudo a ver com nosso país! E, convenhamos, é tão difícil cliente pedir cor...”
O amarelo tinge a imponente porta pivotante de 2,40 x 2,40 m, executada com estrutura de aço corten e vidro laminado jateado de tinta serigráfica, que introduz a parte social da moradia. Do pátio interno revestido de lambril e treliça com o marrom denso do cumaru, nobre madeira amazonense, a porta se abre para o luminoso hall social em um gesto arquitetônico de grande efeito. Nesse espaço, coincidentemente, está o díptico do artista plástico nascido em Niterói, Rafael Alonso, que também reverencia a auspiciosa cor.
A serenidade dos materiais – a alvenaria branca, a pedra madeira e o travertino – compõe o cenário,que abriga mobiliário de nomes como Joaquim Tenreiro, Jorge Zalszupin, Sergio Rodrigues, Percival Lafer, Carlos Motta e do próprio Guilherme Torres, pontuado por uma coleção de arte brasileira, com uma grande obra de Regina Silveira, sobre a lareira do living, concebida especialmente para o local.
Nesta arquitetura em que prevalece a simplicidade e a precisão há uma sensação do neomodernismo paulistano caro a nomes como Marcio Kogan e Isay Weinfeld. “Já tentei trilhar outros repertórios, mas acabo me deparando com as mesmas referências dos projetos deles. Não é uma influência, é algo muito mais profundo, visceral até, eu diria”, garante.
No térreo, com área social de 130 m² adjacente à varanda de 25 m², que se volta para a piscina, está uma das forças da construção: a possibilidade de total integração entre os espaços de convivência. Generosos panos de vidro se recolhem dentro das paredes, transformando o living numa extensão do jardim com jabuticabeira e jasmim-manga, concebido por Alex Hanazaki. O mesmo recurso vale para o terraço, que pode ser convertido em home theater ou varanda, conforme o desejo do casal com três filhos.
“Gosto de pensar que meus projetos poderiam ter sido construídos há um século ou no futuro. Acredito na elegância atemporal”, menciona Guilherme sobre a residência com sua assinatura, que representa o melhor da nossa arquitetura urbana contemporânea, tanto no conceito tropical como no detalhamento de sofisticada sutileza plasmado nos quatro pisos, do subsolo ao escritório forrado de vidro refletivo, que coroa esta casa solar.
* Matéria publicada em Casa Vogue #346 (assinantes têm acesso à edição digital da revista).