De família simples, o menino Alex passou boa parte da infância no meio do mato, pescando com o pai e o avô no litoral paulista, no Mato Grosso e na Amazônia. Adolescente, enveredou pela vida mundana. Foi viver na Europa o sonho de se profissionalizar DJ e acabou caindo de paraquedas no universo gourmet. Mas foi como cozinheiro que Atala reencontrou seu contato com a natureza. Aí, o susto virou paixão. Conquistou adeptos com sua gastronomia irreverente, ocupando, hoje, o 7º lugar dentre os 50 melhores restaurantes do mundo, com seu D.O.M., o 1º da América Latina, pela revista inglesa Restaurant. Mas sua missão transcende o fogão: acredita que seu trabalho deva aproximar a cozinha da mãe Terra, colaborando com a evolução do homem e seu meio.Com ousadia e humildade, Alex criou o instituto ATÁ (fogo, em tupi-guarani), com o objetivo de desenvolver novos mercados produtores de ingredientes tipicamente brasileiros. Não por acaso, em abril foi nomeado chef do ano por seus pares nacionais e internacionais. E, em agosto, liderou o simpósio mais importante do setor, o MAD Food Camp,em Copenhague, para discutir os significados do cozinhar. Em bate-papo com a Casa Vogue, ele fala de seu percurso até aqui e das florestas que ainda desbravará.
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Após uma infância “bicho do mato”, nos anos 1980 você tatuou seu corpo, virou DJ. Com esse perfil “bad boy”, como foi parar na Escola de Hotelaria de Namur, na Bélgica?
Fui para a Europa com 18 anos viver o sonho da música. Para pagar as contas, pintava paredes. Mas, para conseguir um visto de permanência, tive de me inscrever em uma escola.Um amigo na mesma situação fazia curso de cozinha. Fui com ele.
E aí, foi amor à primeira vista?
No momento inicial, foi assustador. Comecei como auxiliar de cozinha, descascando batata, lavando louça. Não me via fazendo parte de uma engrenagem sincronizada como aquela. Quase desisti. Mas quando entrei em contato com os peixes e vegetais frescos, com as estações das caças, das trufas, dos cogumelos... Vi minhas referências de vida se encontrando.
E desse momento até a abertura do D.O.M.,quantas águas rolaram?
Voltei ao Brasil em 94. Minha primeira mulher estava grávida do Pedro e queríamos que ele nascesse aqui. Logo me chamaram para comandar a cozinha do Filomena, onde fiquei até 97. No ano seguinte, fui chef do restaurante 72. Minha carreira solo iniciou em 99, quando abri o Namesa e, no fim do ano, o D.O.M.
E as referências de suas viagens à Amazônia, ao Brasil profundo, quando passaram a fazer parte de suas receitas?
Desde sempre. No Filomena, minha cozinha era franco-italiana, com notas brasileiras. Meu prato mais famoso lá era o pato com gastrique de genipapo. Já no D.O.M., tudo se tornou naturalmente mais autoral. Foi quando mergulhei nos ingredientes do norte do nosso país, como o tucupi, o pirarucu, a tapioca... Até chegar às formigas.
Dizem que as formigas têm sabor de capim-santo. É verdade?
Não, é o capim-santo que tem sabor de formiga [risos]. Parece absurdo, mas para meus amigos da tribo baniwa, essa é a realidade. Eles usam as formigas para temperar seus alimentos.
É dessa tribo que também vem a pimenta cuja produção tem a participação do ATÁ?
A pimenta Baniwa é o primeiro condimento brasileiro de que se tem registro. Carrega um forte valor ancestral que não pode ser esquecido. Junto ao ISA – Instituto Socioambiental – e à organização indígena da Bacia do Içana, no Amazonas, viabilizamos sua cadeia de produção e distribuição. Conseguimos o selo da Anvisa e mais de 30 pontos de venda pelo Brasil.
Esse foi o projeto pioneiro do ATÁ?
O ATÁ foi constituído como instituto em 2013, mas sua essência, na prática, já está em ação há mais de dez anos. Nasceu da minha colaboração com os produtores de arroz no Vale do Paraíba. Um trabalho iniciado com Chicão Ruzene, titular da empresa que leva seu sobrenome. À beira da falência, como os outros, ele passou a produzir arroz negro, vermelho, arbóreo e outros tipos especiais, utilizados na alta gastronomia, 50% mais rentáveis. Em 2012 desenvolvemos, juntos, o miniarroz: variedade nova, totalmente brasileira e única. Esses arrozes especiais passaram a ser distribuídos em redes de varejo, ganhando grande aceitação do consumidor final. Promovemos uma mudança cultural e econômica na região. Sou muito orgulhoso disso.
E quais os novos projetos em andamento do ATÁ?
São vários. Um dos mais caros, para mim, é a regulamentação do mel de abelhas brasileiras, limitado ao consumo local por falta de aprovação pelos órgãos competentes. Outros produtos em fase de pesquisa no ATÁ são os cogumelos nativos comestíveis, a baunilha do cerrado e as algas codium. Buscamos estruturar e regulamentar suas cadeias de produção para fortalecer a bio, agro e sociodiversidade. Neste mês, você conduzirá a quarta edição do MAD Food Camp, simpósio que reúne 600 chefs de todo o mundo em Copenhague. O tema propõe um retorno à essência da sua atividade: “O que é o cozinhar?”.
E o que é cozinhar, para Alex Atala?
Para o MAD deste ano, não divulgaremos os palestrantes ou daremos depoimentos prévios. Queremos que os participantes, palestrantes e ouvintes, venham abertos a surpresas, com foco na experiência de estar lá conosco. A resposta… Cada um descobrirá a sua, ao final.
* Matéria publicada em Casa Vogue #348 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)