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O retiro campestre de Cindy Sherman

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Editorial Cindy Sherman (Foto: Jason Schmidt / Trunk Archive)

Ao longo de sua carreira fenomenal, Cindy Sherman se apresentou com todo tipo de aparência e atitude – sereia das telas, Madonna do Renascimento, socialite enrugada, rata de shopping suburbano, deidade romana e palhaça psicótica, para citar só algumas. Seus trabalhos fotográficos, meditações provocadoras sobre a construção da identidade pessoal e da natureza da representação, há muito asseguraram seu lugar no firmamento da história da arte, mas ela continua a desbravar novos terrenos. Quando o assunto é a casa da artista em East Hampton, estado de Nova York, entretanto, todos os artifícios caem por terra. Sem seus objetos de cena nem suas próteses, sem a pintura do rosto nem os cenários, Cindy aproveita com simplicidade as delícias da vida em Springs, um povoado tranquilo, nada a ver com a badalação dos Hamptons, que já foi o lar de Jackson Pollock, Lee Krasner, Willem de Kooning e outros mandarins da arte do século 20.

“O mais importante aqui é a natureza”, diz Cindy sobre o seu pedacinho de céu de quatro hectares de terreno (mais ou menos a metade dos quais de pântanos protegidos), um ecossistema sereno de árvores e plantas de beira de rio, cervos de cauda branca, raposas vermelhas, ninhos de águias e pios de maçarico. “Eu sou louca pelas famílias de perus selvagens que circulam por aqui, principalmente quando eles voam para cima das árvores, para dormir à noite. É fascinante.”

Editorial Cindy Sherman (Foto: Jason Schmidt / Trunk Archive)

Cindy se mudou para Springs há mais de dois anos, vinda da casa anterior em Sag Harbor, ali perto. Na época em que comprou, a propriedade à beira d’água continha uma construção principal – provavelmente erguida entre as décadas de 1830 e 1840 –, alterada e expandida ao longo dos anos, mas que reteve a escala modesta e o charme, além de dois celeiros gastos pelo tempo. “Eu tive de refazer minha casa anterior depois que os canos estouraram. Algo se perdeu na reforma e a alma do espaço foi comprometida”, ela conta. “Aqui, eu quis intervir o mínimo possível, para preservar o caráter que me atraiu em primeiro lugar.”

Apesar de Cindy, no início, não ter considerado a possibilidade de contratar um decorador profissional, acabou encontrando um parceiro ao visitar um amigo cuja casa tinha sido decorada por Billy Cotton, designer industrial radicado em Nova York que também trabalha com projetos arquitetônicos e de interiores. “A casa [do amigo] não parecia ter sido decorada. Parecia ter estado sempre lá”, lembra ela. “O trabalho de Billy estabeleceu um equilíbrio entre praticidade, esquisitice e refinamento.”

Editorial Cindy Sherman (Foto: Jason Schmidt / Trunk Archive)

Essa avaliação, na verdade, é perfeita para definir o próprio retiro de luxo boêmio da artista. Depois de concluir a reforma completa da instável estrutura da construção – Annabelle Selldorf, amiga de Cindy e arquiteta preferida pela elite do universo das artes, foi consultora do projeto –, Billy e sua cliente embarcaram na missão de reaproveitar os materiais originais e reviver o ambiente que eles suscitavam. O designer explica: “Tentamos reproduzir algo que não fosse certinho, que não fosse glamouroso. Este não é um exemplo estonteante de arquitetura colonial, é só uma casa de fazenda confortável que antes não estava muito firme.” E completa: “Nós dois abominávamos a ideia de criar um falso rústico.”

Num espírito de ecletismo disciplinado, Cindy e Billy montaram uma coleção poliglota de móveis que datam mais ou menos da mesma época da arquitetura, incluindo um armarinho da Regência Britânica, daybeds francesas e gustavianas, um armário austríaco do século 19 e uma mesa de jantar em estilo georgiano.

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Para atenuar o sabor de velho mundo dessas peças refinadas, porém discretas, a dupla introduziu mobiliário excêntrico do século 20, além de itens contemporâneos. Também há uma mesa de centro desenhada e construída por Billy, usando pedaços de rodapés e restos de madeira que sobraram da reforma. Têxteis tiveram papel preponderante em todo o processo. “Cindy e eu nos identificamos por nosso amor a tramas dinâmicas, exóticas”, diz Billy. “Uma boa parte da sensibilidade estética deste projeto está atrelada aos tecidos e aos tapetes que escolhemos.” De fato, a abrangente seleção inclui Beni Ourains vintage, algodões contemporâneos feitos à mão no Marrocos, mantas coloridas do Paquistão da década de 1920, panos de índigo africano, suzanis indianos, tramas tradicionais francesas e uma tapeçaria italiana espetacular do século 19 que domina um dos três quartos de hóspedes.

Editorial Cindy Sherman (Foto: Jason Schmidt / Trunk Archive)

Para combinar com a mistura de padrões de tecidos e móveis, a arte que salpica as paredes consiste daquilo que Cindy chama de “uma verdadeira confusão” de achados de segunda mão, outsider art e peças de amigos, entre elas esculturas de porcelana de Chris Garofalo e Matthew Solomon, pinturas de Wayne White e Bill Komoski e obras do Bruce High Quality Foundation, um coletivo artístico do Brooklyn.

A impressão que a morada transmite é de originalidade, nuance, humor e um certo destemor – traços dignos de uma das titãs da arte contemporânea. Mas, para Cindy, o sucesso desse exercício de contida reabilitação histórica tem pouco a ver com opções decorativas ou com o savoir-faire do mundo da arte: “A casa tem uma noção de espaço genuína, como se pertencesse a este local. Após uma grande reforma, parece que não tocamos em nada”, ela diz. “Eu me sinto mais em casa aqui do que em qualquer lugar em que já estive.”

* Matéria publicada em Casa Vogue #349 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)

Editorial Cindy Sherman (Foto: Jason Schmidt / Trunk Archive)

 

Editorial Cindy Sherman (Foto: Jason Schmidt / Trunk Archive)

 

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