Projeto Nossa Casa, Minha Vida. Visite apartamento mobiliado. Arquiteto: Nelson Leirner – quem chegar à porta da Fundação Eva Klabin, no Rio de Janeiro, encontrará uma placa que convida o público a entrar em um apartamento de 23 m², instalado na entrada da casa-museu. O “showroom” criado pelo artista – que fundou o Grupo Rex e ficou conhecido pela forma irônica e lúdica de questionar os valores da arte erudita utilizando símbolos populares – coroa o décimo ano do Projeto Respiração, no qual o curador Marcio Doctors convida artistas contemporâneos para fazerem instalações e interferências na casa onde viveu a colecionadora Eva Klabin.
“O contraste entre o requinte da residência [com obras de arte egípcia, renascentista e do século 19] e o apartamento popular fala por si”, explica o curador. Nelson, que propôs a habitação para um casal e dois filhos, afirma que a obra não foi pensada para criticar os programas sociais do governo em si, mas a forma como são implementados. “Não pretendo dizer se eles são bons ou não, só quero mostrar que são feitos sem fiscalização, planejamento ou qualidade”, explica o artista, que montou um painel com recortes de jornal sobre o assunto para provar que “não inventou nada”. Para ele, alguns pontos são cruciais: “para começar, essas construções são feitas em lugares sem estrutura. Habitar não é só ‘morar’: as pessoas precisam ter acesso a postos de saúde, transporte, parques etc. Além disso, os materiais usados na execução dessas casas são de péssima qualidade”, provoca.
E se o intuito é cutucar os políticos com vara curta – não à toa, ele escolheu uma “mansão” em um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro, a Lagoa –, o cuidado com a estética da “casa” não decepciona. “As paredes são de MDF (pintado de verde, rosa e azul claros) e, na janela falsa, coloquei a imagem de uma paisagem bem árida para deixar claro que essas habitações são feitas em lugares ermos. A TV é de plasma e a geladeira precisa ser de última geração. Não me preocupei com o bom ou mau gosto... A ideia é mostrar as coisas como elas são”, anuncia. Sobre a cama, colcha e almofadas estampadas e, na estante, um São Jorge e flores de plástico, claro!
Em paralelo, ainda em setembro, Leirner também apresentou, em exposição individual (já encerrada) na galeria Silvia Cintra + Box4, uma nova série de colagens e objetos. Depois de propor um diálogo com obras de Da Vinci, Duchamp, Fontana, Monet e Mondrian, entre outros, ele mergulhou no mundo do sul-africano William Kentridge. “Minhas referências são diretas e conscientes. No caso de Kentridge, temos a mesma apreciação pelo cinema e teatro, e também passamos por situações políticas parecidas nos anos 1970: mesmo sendo de gerações diferentes, eu vivia sob o governo militar, enquanto ele crescia com o apartheid. Como artistas, nós dois criticamos duramente estes momentos de ditadura”, analisa.
O resultado da união inusitada? As sombras de bonecas do sul-africano que, originalmente, “brincavam” sobre enciclopédias (a fim de dialogar com a alegoria da caverna de Platão, na qual as sombras representariam a desinformação do homem), ganham ares aparentemente mais fun quando somadas aos símbolos típicos das criações de Leirner, como os personagens da Disney. “Minha crítica é contra a política da arte e a ‘mão invisível’ que manipula seus sistemas”, esclarece.
E ele já teria conversado sobre isso tudo com Kentridge? “Já adicionei ele no Facebook! Agora preciso dar um jeito de lhe mostrar meus trabalhos, para ele ver que temos tanto em comum”. Nelson é assim: mais conectado com seu tempo que muitos jovens artistas. Ele não deixa passar uma.
Projeto Respiração
Curadoria Marcio Doctors
Data: até 16 de novembro
Local: Fundação Eva Klabin
Endereço: Av. Epitácio Pessoa, 2480, Lagoa, Rio de Janeiro
Horário: de terça a domingo, das 14h às 18h
Preço: R$ 10,00 (inteira), R$ 5,00 (estudantes e acima de 60 anos) e gratuito para crianças até 10 anos
Aos domingos, a entrada gratuita
* Matéria publicada em Casa Vogue #349 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)