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"Concreto e aço não fazem o corpo feliz"

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Palestra Kengo Kuma (Foto: Takumi Ota/Divulgação)

A pesada cobertura de concreto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP estava em reforma, sustentada por um emaranhado de andaimes. Por isso, a multidão de alunos que acompanharia a palestra de Kengo Kuma entrou no auditório por uma porta atrás do palco.

A apresentação na USP lotou - e por um bom motivo. Kuma foge da arquitetura de concreto, aço e vidro que marcou o Modernismo do século 20. Um dos expoentes dessa corrente, aliás, é o prédio onde ele foi recebido, cujas grossas colunas de concreto sustentam uma caixa sem janelas do mesmo material. Em lugar dessas soluções, o japonês olha para as construções tradicionais de seu país com o objetivo de criar prédios leves, baseados em materiais locais e quase fundidos à paisagem.

Palestra Kengo Kuma (Foto: Fujinari Miyazaki/Divulgação)

Kuma veio ao Brasil a convite da construtora Toda, que o sondou sobre a possibilidade de criar um prédio por aqui. Até agora, nem a empresa nem o arquiteto confirmam a ideia. Enquanto isso, o profissional deu palestras em Curitiba e São Paulo, a convite da FAU e da Escola da Cidade. Na capital paulista, Casa Vogue o entrevistou.

"Começo o projeto a partir do vazio", contou aos alunos. Faz sentido: a volumetria dos edifícios precisa seguir uma infinidade de leis de zoneamento. Os interiores, no entanto, tomam a forma que o arquiteto prefere.

Palestra Kengo Kuma (Foto: Takumi Ota/Divulgação)

O arquiteto implanta seus prédios nas bordas entre cidades e florestas, lagos ou montanhas. Assim, os saguões se tornam espaços de transição entre o mundo artificial e natural – o vazio como mirante para a paisagem. "Quando as pessoas esquecem a natureza, destroem a si mesmas".

Ele também cria laços profundos de suas obras com as cidades onde são erguidas. Assim, há maneiras inovadoras de usar materiais encontrados próximos aos prédios – sejam eles madeira, palha ou até plástico.

Kuma leva esses materiais ao seu máximo potencial, construindo prédios onde as estruturas muitas vezes se encaixam como um jogo de montar. Tudo é baseado em um cuidadoso cálculo estrutural, testado em protótipos detalhados. O Japão do passado inspira, mas não limita sua criatividade.

Confira abaixo a entrevista com o arquiteto: 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Marcos Santos/USP Imagens/Divulg)

Vemos uma grande ligação entre seus projetos e a arquitetura vernacular japonesa. Como você traduz a tradição para a vida moderna sem ser saudosista?
A arquitetura tradicional japonesa influenciou o Modernismo no século 20. Frank Lloyd Wright e Mies van der Rohe aprenderam muito com ela: a transparência, a maneira de usar a luz natural.

O que eu ensino à tradição japonesa é a estrutura como invenção. Trabalho com bons engenheiros, que minimizam as estruturas, tornando-as tão leves quanto possível. Esse não é um processo saudosista: é muito futurista.

A tradição japonesa tem um uso limitado de materiais, mas eu tento evoluir um passo e combinar os muito contemporâneos com a madeira. Isso traz um novo tipo de suavidade e calor para as pessoas. A arquitetura do século 20 é sólida demais, rígida demais, pesada demais.

Palestra Kengo Kuma (Foto: Divulgação)

Por quê?
Porque a arquitetura do século 20 usa concreto como principal material – ele é muito barato, forte e vence grandes vãos. Mas concreto e aço têm um limite enquanto materiais: não fazem o corpo humano feliz. O corpo é muito macio e fraco. Se tenho um corpo frágil, quero viver com materiais macios.

Seus prédios apelam bastante aos sentidos. A arquitetura deveria ser mais sensorial?
Conforme alcança suavidade, a arquitetura se aproxima do corpo; se está próxima ao corpo, naturalmente se torna muito sensorial. Quero acrescentar experiências: texturas, o cheiro – especialmente o aroma de madeira. Ela não é um material apenas visual, mas totalmente integrado, incluindo as texturas e a característica de envelhecer bem. Gosto muito desses efeitos.

Palestra Kengo Kuma (Foto: Editora Globo)

Conte sobre a sua proposta de criar prédios que voltam ao pequeno.
Esta é uma necessidade do corpo humano. Um bom exemplo são as casas japonesas de madeira, cujo tamanho máximo das vigas é 3 m. E assim o espaço e o corpo humano pertencem quase à mesma escala. Podem ter uma boa amizade, porque têm quase o mesmo tamanho, temperatura e maciez. Mas concreto é pesado, alto, forte demais – não conseguimos ser bons amigos.

Como você começou a pensar nessa relação entre corpo e arquitetura?
O início dessa ideia foi a casa tradicional onde eu nasci – com um andar só, estrutura tradicional, piso de tatami e divisórias de papel. Quando comecei a estudar arquitetura, meus professores só ensinavam a projetar prédios grandes de concreto. Por que eu não poderia adquirir a sabedoria da arquitetura popular? Fiquei desconfortável com aquela educação e por causa dela comecei a buscar o pequeno.

Então foi um retorno à arquitetura popular?
A arquitetura popular é uma fonte para minha criação. Na cidade temos edifícios antigos, mas o seu uso da madeira se aproxima mais da decoração. Nas construções populares, estruturas, materiais e móveis estão integrados aos edifícios. Gosto de ir ao interior para encontrar esse tipo de integração. Aqui no Brasil, vi alguns desenhos que Lina Bo Bardi fez: croquis muito interessantes de arquitetura popular.

Quando você vai projetar para o Brasil?
Não tenho ideia!

Palestra Kengo Kuma (Foto: Daici Ano/FWD/Divulgação)

Você poderia falar um pouco sobre sua relação com os materiais?
Materiais estão profundamente relacionados aos locais ondes os prédios são construídos e criam uma harmonia entre a arquitetura e o local. No século 20, as pessoas não tinham tanto cuidado com a harmonia; pensavam na arquitetura como uma caixa isolada no ambiente. Nenhum relacionamento era esperado. Mas hoje nosso objetivo é criar harmonia com o ambiente. Penso que esse é o verdadeiro significado de sustentabilidade.

Você usa uma ampla gama de materiais em seus diferentes edifícios, sempre com raízes locais. Como é seu processo de pesquisa?
Antes de ir ao lugar sempre procuramos informações na internet, mas o importante é conversar com as pessoas de lá - os amigos dos amigos.

Palestra Kengo Kuma (Foto: Daici Ano/FWD/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Daici Ano/FWD/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Daici Ano/FWD/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Daici Ano/FWD/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: SS Tokyo/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: SS Tokyo/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: SS Tokyo/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: SS Tokyo/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: SS Tokyo/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Roland Halbe/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Roland Halbe/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Roland Halbe/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Roland Halbe/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Roland Halbe/Divulgação)

 

Palestra Kengo Kuma (Foto: Steven MacDougall/DC Thomsons/Di)

 

 


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