Uma brisa dos années folles sopra em Santa Teresa pelas asas da imaginação de Jean Michel Ruis, expoente da corrente migratória francesa que descobriu o Rio de Janeiro e transformou esse bairro boêmio na versão tropical de Montmartre. Depois de decorar seu hotel-boutique Mama Ruisa à moda dos anos 1920, o hôtelier trouxe para sua nova morada a mesma vibração e nostalgia de sua década fetiche, que inspira as suítes de uma das guest houses mais charmosas da cidade. Vive desde janeiro num casarão de 1925 cercado de toda vanguarda daqueles bons tempos, com o art déco intacto na arquitetura e menções claras à Paris de Josephine Baker pelos cinco quartos com vista para a Urca de Carmen Miranda. “A música negra, o espírito livre e a leveza das pessoas eram contagiantes naquela época”, conta. “Mas gosto de outras épocas também e você encontra tudo aqui: século 19, anos 1970 e arte contemporânea. Tenho cores e influências que fogem do padrão, minha casa não é um showroom”, brinca.
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Passeiam pelos cinco quartos obras de arte, mobiliário, fotos originais e objetos de design garimpados na feirinha de antiguidades da Praça XV, zona portuária carioca, e no Marché aux Puces, além de relíquias adquiridas nos leilões mundo afora. Misturam-se ao estilo dominante da construção referências do modernismo brasileiro que Jean Michel cultua com a mesma voracidade que adora quincailleries transportadas na bagagem das viagens para o Oriente. Debaixo do mesmo teto repousam móveis de Ricardo Fasanello e Sergio Rodrigues estofados com tecidos da finlandesa Marimekko, de cores tropicais e desenhos categoricamente nórdicos, e tapetes vindos de Aleppo, na Síria, e Tanger, no Marrocos, além de raridades trazidas da China. “Queria reencontrar a essência da casa, que estava abandonada, e dar uma nova alma a ela, mesclando padrões e inspirações que ajudam a contar o meu estilo de vida.”
O pequeno portão de ferro encravado entre casarios do século 19 ladeira acima não dá a menor pista do que acontece escada abaixo. É surpreendente saber que atrás dos muros brancos à moda grega e por entre frestas caiadas que revelam a Baía de Guanabara existe um túnel do tempo que nos leva para o melhor do século 20.
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Nosso personagem, inclusive, parece saído de uma mesa do La Coupole – com Hemingway, claro. Irresistível e nem um pouco invasivo reparar na grande sala principal pintada com toques de azuis por todos os lados, cores escolhidas em homenagem à decoradora francesa Madeleine Castaing, musa de alguns dos ídolos que ele cultua em sua biblioteca – fala-se de André Derain, Iché e Erik Satie guardados nas estantes dos amplos salões adornados com fotos e quadros de Jean Cocteau, pequenas estátuas de porcelana de sua musa Isadora Duncan, desenhos de Paul Colin em todo canto, assim como uma insólita coleção de insetos, de borboletas a escaravelhos, comprados um a um na loja de taxidermia Deyrolle, na rue du Bac, em Paris.
“Me encanta o mistério dos animais mortos que renascem através de mim a cada vez que os vejo.” Faz de tudo, da cozinha aos corredores e banheiros, um cabinet de curiosités com um pé no avant-garde e outro na aristocracia. Mistura delicada de tempos e referências que pouco se combinam – o que torna a casa, o anfitrião e a sua paixão pela decoração ainda mais especiais.
*Matéria publicada em Casa Vogue #350 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)