Imagine um mundo novo, não muito distante, onde a água brota de um galho de árvore de metal, as cores variam suavemente entre os cinzas, em tons de concreto ou grafite, o rouge-de-fer e o verde céladon, e as cenas se alternam entre Milão, Nova York, Brasília, o Nordeste e São Paulo. Não é longe daqui – fica na capital paulista mesmo, de frente para seu skyline – essa Babilônia contemporânea de referências das mais diversas épocas e procedências, que o arquiteto pernambucano Osvaldo Tenório montou para viver quando veio de Maceió, depois de passagens para estudo de design na Itália e para diversão na Austrália.
“O estilo é o resultado da personalidade do morador e de suas escolhas”, diz OT, como assina quando criador de peças autorais, funcionais e artísticas, que permeiam seu décor absolutamente próprio: “Cada projeto tem uma óptica e sua estética”. Em sua casa, a despeito da crítica inicial dos amigos, ela se baseia em uma grande caixa de pedra – um granito rústico e soft em placas oversized que forram as paredes laterais e o piso do apartamento de 210 m² no bairro dos Jardins, de três salas integradas e três suítes, totalmente redesenhado a partir de um imóvel dos anos 1960.
Da entrada, que ganhou porta alta e dupla em tom óxido, à cozinha (antiga copa), agora aberta em parede branca e curva para a sala de jantar. Do lavabo, criado para abrigar uma impressionante pia de pedra com quase 200 quilos, ao “coração técnico”, que acomoda infraestrutura com tubulações, ar-condicionado e automação. Do longo living de parede cinza-escura ao quarto de Tenório, ligado à sala de TV integrada ao salão por um painel de portas pivotantes.
Logo à entrada, um molde de gesso de autoria desconhecida compõe o cenário com a escultura Ciclo da Vida, de Tenório, e a poltrona Easy, de Oscar e Anna Maria Niemeyer
O jeito orgânico-natural, uma das tônicas de seu trabalho, ao lado da paixão pelos metais nobres, madeiras e pedras, está presente no todo e nos detalhes que este arquiteto-designer-artista desenha e que fazem diferença: a escultura de parede de madeirae ouro; o painel de latão dourado inspirado no centro financeiro da Pauliceia; o biombo traçado sob a visão de Nova York; o aparador de metal e ardósia; luminárias de teto e abajures que relembram o Rio de Janeiro e a capital federal; puxadores e maçanetas em formas geométricas ou que remetem à natureza; cerâmicas ou fragmentos usados como travessas em jantares também assinados por OT.
Nestes, ele capricha em frutos do mar, carnes e massas e mistura “tudo aquilo que estiver na geladeira”, como descreve com simplicidade e alegria nordestinas de quem sempre serve caju-passa aos convidados – Tenório é festeiro e excelente anfitrião –, mas exige talheres de bronze, bowls de ágata e pedra e cristais. O dono da casa é pura decoração e arte até na hora da comida.
Panorama do living revela poltrona Elda, de Joe Colombo (ao fundo); farinheira de cerâmica servindo de mesa de centro, ao lado de outra desenhada por OT, de latão; almofadas da Hermès e da Dedar sobre o sofá; fotografias do casal Billy & Hells; luminária da coleção Brasília, de OT; tapete da Ziegler; e poltrona Star Trek, de Roberto Lazzeroni para a Ceccotti Collezioni, na Casual Interiores
Só não lhe venham com coleções. “Não gosto”, afirma, mesmo quando enumero as quase 30 cadeiras estreladas ou anônimas, espalhadas por todos os ambientes, inclusive os banheiros. Como com Le Corbusier ou Lina Bo Bardi, e todos os grandes mestres da arquitetura da casa desde sempre, tudo nesta aqui tem toque de originalidade e exclusividade, por obra de sua criação e pela seleção feita no mercado à sua volta. “Este apartamento é a minha tradução da cidade à qual o destino me trouxe para viver”, diz Tenório, que pode ser um transgressor convicto de algumas regras, mas é um apaixonado pela forma, sem nunca esquecer a função. Ou não.
O canto do living exibe biombo da coleção Cidades, de OT, cadeira de madeira bruta encontrada em Embu das Artes, escultura de Masumi Tsuchimoto e poltrona dos anos 1950 (à dir.) de autoria desconhecida, diante de painel de latão
Osvaldo Tenório posa na entrada de seu quarto, que leva luminária de Mariano Fortuny e, acima da cama, fotos de Mario Cravo Neto – em primeiro plano, poltrona de Giuseppe Scapinelli, luminária Rio, de OT (sobre a estante) e banco Wiggle, de Frank Gehry para a Vitra
O quarto de hóspedes, com poltrona dos anos 1940, “casinha” de Alex Asch, tecidos da Florence Broadhurst sobre a cama e nas almofadas, arandela Gêmeos, de OT, e caixas de jacarandá customizadas a partir de reaproveitamento de mobiliário, com cerâmica do Liceu de Artes e Ofícios
O closet, com armários da Florense e tapete da Phenicia, tem puxadores customizados e mancebo com acabamento de ônix, tudo criado por Osvaldo Tenório
No banheiro, painel da Mont Blanc inspirado em desenho de Alberto Magnelli dos anos 1940 decora o boxe, que tem cadeira Clay, de Maarten Baas
No living, pufe da Porro, almofada de pele, de Simone Coste, poltrona vintage, na Juliana Benfatti Antiguidades & Excentricidades, abajur Pipistrello, de Gae Aulenti, e foto de Leni Riefenstahl
A cozinha, da Florense, traz foto de Pierre Verger, persianas da Uniflex e luminária de OT
Panorama do living, com destaque para o painel de latão inspirado nos bancos de São Paulo e para a escultura de Ascânio MMM sobre a farinheira de cerâmica que serve de mesa de centro
A mesa de jantar de vidro desenhada por Osvaldo Tenório recebe cadeiras de Ib Koford Lansen – ao fundo, escultura branca de Emanoel Araújo e a porta de entrada do apartamento em tom óxido rouge-de-fer
Vista aberta da cozinha da Florense redesenhada e customizada por Tenório, que tem armário de laca branca com foto de Pierre Verger sobre ele, persianas da Uniflex, bancada de granito bruto e a primeira luminária desenhada pelo proprietário para este apartamento
Na sala de TV, cadeiras de Hans J. Wegner originais, compradas na loja de Ken Nealy, na Austrália, preservam seu tecido vintage, ao lado do banco de Frank Gehry – ao fundo, armários de jacarandá restaurados e customizados por Tenório e um traje africano de osso sobre a estante
No quarto de Osvaldo Tenório, uma das estrelas é a fotografia de Kai Stuht (à dir.), atrás da mesa Pétala, de Jorge Zalszupin, com cerâmica escandinava vintage, e da cadeira de acrílico Diagonale – a colcha de linho vem da Austrália, onde o arquiteto viveu
Nicho no closet exibe escultura de madeira de Flavio Zimerman, caixas de malaquita, vaso francês de Allain Gilles, molde de chapéu antigo e luminária de vidro comprada em Nova York
A escultura de Osvaldo Tenório suspensa no quarto de hóspedes tem a função de cabideiro; abaixo dela, mesa lateral de origem italiana e lustre vintage na Varuzza
Osvaldo Tenório posa próximo à entrada da morada, à frente de sua escultura Ciclo de Vida – o molde de gesso é de autor desconhecido, a poltrona Easy é de Oscar e Anna Maria Niemeyer, e, à dir., a mesa lateral da L’Atelier sustenta uma luminária de Philippe Starck