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Marina Abramovic, a dama da performance

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Marina Abramovic (Foto: Cortesia Luciana Brito Galeria)

"O ‘não’ é sempre o começo.” Conhecida por se colocar em situações doloridas (ou até perigosas), a artista sérvia Marina Abramovic, que vive em Nova York, acredita na negação, no sofrimento e na crise como principais combustíveis para a arte, no poder dos rituais e cristais brasileiros e na vida como um milagre que pode acabar a qualquer momento e que, por isso, deve ser celebrada até mesmo na morte. Seu velório, aliás, deverá ser uma grande festa – última obra deste ícone já com um quê transcendental?

Considerada a “avó da performance”, ela desembarca no país para uma grande exposição no Sesc Pompéia, que abre hoje para o público, e também na Luciana Brito Galeria que contará com obras da artista feitas no Brasil, chamada Places of Power.

E MAIS: A coleção de Marina Abramovic para a francesa Bernardaud

Com expografia clean e respeitosa elaborada pelo Metro Arquitetos, a mostra Terra Comunal – Marina Abramović + MAI é dividida em quatro partes. Comece assistindo os vídeos históricos curados por Jochen Volz (que também será responsável pela próxima Bienal de São Paulo): lá você poderá conferir alguns dos primeiros vídeos em que o centro da obra é o próprio corpo da artista (pense em Art must be Beautiful, Artist must be Beautiful ou Freeing the Voice) e performances feitas em parceria com Ulay – ex companheiro de arte e vida  – como a que marcou a separação do casal na muralha da china,  The Lovers: The great wall walk.  Em seguida, vale percorrer por instalações sobre performances recentes e mais famosas: The House with the Ocean View, The Artist is Present e 512 Hours. Nesta segunda parte da mostra é possível conferir, também, alguns dos chamados Transitory Objects for Human Use, peças feitas, na maioria das vezes, para instigar o espectador a participar das performances propostas pela artista.

Entre na fila para participar da terceiro espaço da mostra, o famoso Abramovic Method: você vai deixar todas suas coisas em um armário e vai ficar durante duas horas fazendo exercícios propostos pela artista para aguçar a sensibilidade de todos os sentidos e (tentar) se conectar com seu próprio eu. No galpão e em alguns pontos estratégicos do Sesc, será possível conferir o quarto e último momento da exposição: a artista sérvia selecionou 8 performers brasileiros para apresentar seus trabalhos ao longo dos dois meses de exposição. Os mais interessantes são: Corpo Ruindo, de Paula Garcia, Transmutação da Carne, do baiano Ayrson Heráclito, e Vesúvio do Grupo EmpreZa.

Ela está no Brasil para comemorar 40 anos de luta para que o gênero fosse acolhido por instituições respeitadas. Conseguiu: apresentou-se no MoMA, no Guggenheim, na Serpentine Gallery, entre outras. Ainda assim, alguns questionam: é teatro experimental? É entretenimento? É truque? Isso é arte, babe, e a artista está presente.

Marina Abramovic (Foto: Cortesia Luciana Brito Galeria)

Como foi a primeira vez que você viu uma performance?

Era difícil obter informações naquela época, por isso nunca tinha visto uma performance quando a inventei. Foi muito simples. Eu pintava nuvens e gostava de observá-las. Era 1969 e estava deitada no gramado quando vi aviões militares passando e fazendo desenhos lindos no céu que, em seguida, desapareciam. Aquilo foi uma revelação. Entendi que não precisava ficar presa aos trabalhos bidimensionais, pois arte é liberdade de espírito e eu poderia usar o que quisesse: fogo, água ou o meu próprio corpo. Então, levantei e nunca mais voltei para o ateliê. O mundo e as nossas necessidades mudaram.

A arte performática também se transformou?

A performance não era categorizada como uma forma de arte. Era entretenimento e os artistas não eram levados a sério, muito menos aceitos nos museus. Lutei a minha vida inteira para mudar isso. Queria mostrar que a performance é um gênero legítimo e transformá-la em mainstream art. Consegui, mas demorou 40 anos.

Marina Abramovic (Foto: Cortesia Luciana Brito Galeria)

 

Marina Abramovic (Foto: Cortesia Luciana Brito Galeria)

O papel do público também mudou?

Sim. Inicialmente o público apenas assistia. Agora ele atua e pode se tornar corpo principal do trabalho.Aí eu só crio as situações e forneço as ferramentas para que os visitantes façam a performance. Isso porque percebi que o que importa são as nossas próprias vivências. Portanto, olhar para as minhas experiências não afeta a vida de ninguém.

É o caso de 512 Hours e The Artist is Present – duas performances destacadas
no Sesc?


Isso. Serão instalações destas obras com objetos e vídeos.

E a artista estará presente?

Sim, mas de outra forma. A maioria dos artistas internacionais vem para o seu país, mostra obras em um museu, aparece em um jantar e vai embora. Vou ficar dois meses aqui fazendo workshops, palestras e conversando com o público. Por isso esta exposição é tão única.

Você tem uma relação próxima com o Brasil. O que mais lhe encanta?

Adoro pão de queijo, açaí e cafezinho. Também amo os rituais (como o Carnaval e o candomblé), o fato de os brasileiros serem muito passionais e terem uma ligação forte como corpo – atributos importantes para a arte performática.

Você também se interessa pelos nossos cristais. Porque eles estão sempre presentes nos Transitory Objects?

Visito as minas brasileiras desde 1989. Faço uma relação entre o corpo humano e o corpo do planeta: os cristais são os olhos do planeta, o cobre é o sistema nervoso, o ferro é o sangue etc. Os cristais concentram luz e informação, portanto, você pode ter acesso à sabedoria de todo o planeta através deles. Hoje, somos fascinados pela tecnologia (que nos afasta da nossa essência), mas esquecemos de que todos os ensinamentos vêm da natureza. Uso as pedras nos Transitory Objects, pois elas têm o poder de nos trazer de volta a nós mesmos. Quero mostrar que vocês, brasileiros, têm um material muito precioso e ele não serve só para decoração. Para a exposição, estamos fazendo 90 objetos novos!

Marina Abramovic (Foto: Cortesia Luciana Brito Galeria)

The House with the Ocean View mostra que nós somos muito vulneráveis. Você acha que é a performance ideal para um Brasil em crise?

Performance é como uma fênix – pássaro que renasce das próprias cinzas. Fica mais forte em tempos de crise, pois é uma forma de arte imaterial e prospera quando as pessoas estão vulneráveis, procurando respostas. A vida é um milagre que pode acabar a qualquer momento, portanto, a temporalidade, a dor e o sofrimento são combustíveis. Quando tudo está bem, as pessoas ficam arrogantes e egoístas, e outro tipo de arte floresce: aquela caríssima vendida pela Sotheby’s ou Christie’s.

Há exatos 40 anos você fez três obras que falavam sobre liberdade: Freeing the voice, Freeing the body, Freeing the memory. Você se sente livre hoje?

Estou mais feliz do que nunca e jamais voltaria, pois existem muitos mal-entendidos e confusões na juventude. Levei tanto tempo para encontrar um equilíbrio...A sabedoria leva tempo, mas aí você fica velha! [risos].

Neste mês será lançado o livro When Marina Abramovic Dies, no Brasil. Afinal, o que devemos fazer depois da morte de Marina?

Tenho tudo preparado! É importante que a minha morte seja uma celebração. Quero ter três corpos – sendo um único real – e cada um deve ser enterrado em uma das cidades onde vivi: Belgrado, Amsterdã e Nova York, de forma que ninguém nunca saiba onde o corpo verdadeiro está. Todos precisam usar roupas coloridas e quero que a banda Antony and the Johnsons toque My way. O Antony ainda não me prometeu, mas ele vai ficar tão triste quando eu morrer que, com certeza, vai cantar. 

Atenção: os encontros com a artista só acontecerão em momentos pontuais quando ela fará palestras e workshops. Confira a programação aqui.

Terra Comunal – Marina Abramović + MAI
Data: até 10 de maio
Local: Sesc Pompéia
Endereço: Rua Clélia, 93, São Paulo, SP
Horários: de terça a sábado, das 10h às 21h e domingos e feriados, das 10h às 19h

Places of Power
Data: de 6 de abril a 16 de maio
Local: Galeria Luciana Brito
Endereço: Rua Gomes de Carvalho,  842, São Paulo, SP
Horários: de terça a sábado, das 10 às 19h

*Matéria publicada em Casa Vogue #355 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)

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Marina Abramovic (Foto: Cortesia Luciana Brito Galeria)

 

Marina Abramovic (Foto: Cortesia Luciana Brito Galeria)

 

 


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