Roterdã é um museu a céu aberto: viver aqui é ver prédios maravilhosos por todos os lados, além de esculturas de nomes como Paul McCarthy, Franz West e Picasso. Apesar da eterna competição com a capital, Amsterdã, a cidade soube se reinventar e não se trata mais de um lugar relacionado apenas à economia portuária – mesmo tendo o maior porto do continente. Graças às políticas culturais e urbanas adotadas a partir dos anos 1980, que privilegiaram estudos arquitetônicos de fama internacional, Roterdã está se tornando (enfim!) um dos destinos mais importantes da Europa.
A área em torno de Wilhelminapier (sede oficial da Holland America Line, empresa naval ativa até a década de 1970) é o resultado da união entre os ideais da urbanista holandesa Riek Bakker – uso de uma área degradada para fins comerciais e culturais – e de Sir Norman Foster, responsável pelo masterplan dessa zona, que propunha a verticalização do município. O objetivo era criar novos teatros, galerias, hotéis e espaços para jovens empreendedores dentro de arranha-céus assinados. Um projeto ambicioso que, na época, levantou dúvidas quanto a sua viabilidade, mas Wilhelminapier acabou ganhando o apelido de “Manhattan do Mosa” (seu rio).
Meca do turismo arquitetônico, a região abriga a torre de telecomunicações das empresas
KPN, de Renzo Piano, o espigão corporativo World Port Center, de Foster, além das duas torres residenciais Montevideo e New Orleans, concebidas respectivamente pelo escritório holandês Mecanoo e pelo português Álvaro Siza. Com uma superfície de 160 mil m², o recém-inaugurado De Rotterdam – o maior edifício do país –, desenhado por Rem Koolhaas (um orgulho nacional), hospeda escritórios, apartamentos, dois bares-restaurantes com vista para o Mosa, uma academia e o espetacular hotel NHow, que já virou símbolo da nova configuração da cidade. Para quem gosta de história, é interessante fazer uma reserva no Hotel New York, que fica na sede da antiga Holland America Line – repare nos móveis de época e fotos dos migrantes espalhadas pelas áreas comuns.
Wilhelminapier, entretanto, é só uma das facetas da “nova” Roterdã. O Markthal, projetado pelos arquitetos do MVRDV, não é menos peculiar, tanto pela forma quanto pelos seus variados usos. Trata-se de um gigantesco arco, com desenhos elaborados por Arno Coenen e Iris Roskam, que abriga um mercado, bares, restaurantes e lojas. Um empreendimento atraente, último de uma série de obras recentes no centro da cidade, vizinho ao complexo multifuncional Calypso, obra do arquiteto inglês Will Alsop, e à nova Estação Ferroviária Central, construída em 1957, que acaba de ser reformada pelos escritórios Benthem Crouwel Architects e MVSA Architects. Schouwburgplein é uma praça pública espetacular (tem sistema hidráulico interativo), erguida em 1996 pelo estúdio West 8, cercada por espaços para concertos, teatros e balés com ótimos programas, como o De Doelen e o Rotterdamse Schouwburg.
Se Amsterdã sempre foi considerada a cidade para o lazer (chamada de “Veneza do Norte”), Roterdã é a do trabalho por excelência, mas está construindo sua própria identidade. Basta pensar que os mais famosos designers e arquitetos têm seu próprio ateliê por aqui: Rem Koolhaas, MVRDV, West 8, UNstudio, Wieki Somers, Richard Hutten, Jurgen Bey, Atelier Van Lieshout, só para citar alguns. Aqui, o bom desenho é parte integrante do dia a dia. “Expor objetos de design e torná-los acessíveis ao público é fundamental do ponto de vista cultural”, diz Annemartine van Kesteren, curadora de design do Museum Boijmans Van Beuningen, sobre como o museu pode e deve empreender escolhas com uma abordagem pouco convencional. Parte do complexo Museumpark, o Boijmans está junto ao Kunsthal (assinado por Koolhaas), espaço expositivo dos mais interessantes do país. Os amantes da fotografia não podem perder o Nederlands Fotomuseum. Para arte de rua, vale conferir o Copygarden: trompe-l’oeil criado por Jeroen Everaert, Rick Messemaker e Monique Benthin para dar vida a áreas tristonhas da urbe.
Na hora das compras, passe na Ansh46, multimarcas que traz peças de Rick Owens, HBA, Off White, Boris Bidjan Saberi e Buscemi. Já a loja-conceito Groos oferece produtos de design contemporâneo, livros e música além de pequenas produções fabris, todas rigorosamente made in Rotterdam. Parada obrigatória para os amantes da boa cozinha é o recém-inaugurado restaurante do master chef François Geurds, o FG Food Labs, que já conquistou uma valiosa estrela Michelin (enquanto o primeiro restaurante de Geurds, no bairro Lloyd, conta com duas!). A localização sugestiva – dentro de um viaduto ferroviário desmantelado – e os preços acessíveis tornaram-no, em pouco tempo, o lugar da moda entre os jovens. Os aficionados do design vintage devem, por sua vez, visitar a loja Seventies Design.
Mas a ousada Roterdã não é só um atlas de novas construções. A cidade pode também se gabar de um patrimônio artístico onde os protagonistas são os grandes mestres do modernismo holandês – como o esplêndido prédio onde funcionava a fábrica de café Van Nelle, obra de Brinkman en Van der Vlugt, que sobreviveu miraculosamente aos bombardeios de 1940 e acaba de se tornar patrimônio da Unesco, e, hoje, abriga escritórios e eventos. Assinaturas do passado ou do presente, Roterdã é, de fato, a cidade do futuro.
*Matéria publicada em Casa Vogue #354 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)