De fora, a casa da arquiteta Carolina Maluhy passa discreta a quem usa as ruas internas do Jardim Europa como rota de escape para o trânsito sempre tumultuado de São Paulo. O grande portão cinza, que ocupa a fachada, se confunde com a paisagem e dilui a irreverência do material utilizado: placas de ferro galvanizado. Já do lado de dentro, em um generoso vão livre, ferro oxidado ganha presença monumental ao dar forma à escada que liga os dois primeiros andares. Com jeito de escultura, é um dos pontos altos do projeto.
Outras ideias misturando irreverência e refinamento espalham-se pela residência que Carolina divide com os dois filhos e o marido, o investidor italiano Niccolo Ballaratti – que, segundo ela, contribuiu bastante no redimensionamento da estrutura interna. “Por quê [implementar isso ou aquilo]? Esta foi a pergunta que nos fizemos constantemente durante a fase do projeto”, recorda ela. Uma das respostas é o grandioso painel arredondado de pau-ferro, que esconde ou integra a sala de estar e a cozinha, no térreo. Outro une, no segundo andar, o quarto das crianças e a sala de brinquedos.
No ambiente íntimo do casal, quarto, closet, área de leitura e banheiro evoluem verticalmente, iluminados por claraboias e conectados por paredes minimalistas.O artifício revisita o conceito clássico de suíte, o que preserva e dá aconchego à área reservada à cama. “Acordamos muito cedo, por isso trocamos as persianas por cortinas de linho”, diz a arquiteta. O recurso sela sutilmente a janela do quarto e também suaviza a luz natural que vem do teto.
Para economizar medidas, uma escada de aço sobe rente à parede, dando acesso discreto ao terceiro andar. Espécie de sótão do século 21, acomoda um home office que se abre para a varanda em balanço. Nele, destaca-se o piano clássico, que precisou ser içado. “Deu trabalho. A gente brinca que ele nunca mais sairá de lá.”
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Formada pela Northeastern University, em Boston, com pós-graduação na Saci Università, em Florença, Carolina trabalhou com Isay Weinfeld antes de montar o escritório com a amiga, Isis Chaulon, em 2005. Projetos como a da loja da estilista Cris Barros, nos Jardins, ou da residência de campo do empresário Zeco Auriemo dão a proporção do seu gosto pelos espaços amplos, numa mistura contemporânea de vidro, concreto e natureza. Em casa, a arquiteta recheou cada cantinho com recordações afetivas e sacadas simples, quase despretensiosas, que aquecem a atmosfera.
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Além da madeira – presente em todos os cantos – e do rústico piso de fulget semipolido off-white, inclusive nos quartos, quase todos os móveis, obras de arte e objetos foram herdados dos pais do casal – ela é filha da estilista Candice Brown –, dos avós e bisavós. Alguns, como o baú transformado em criado-mudo, estavam esquecidos na fazenda da família. “Tudo tem história. Eles me lembram da minha infância e das pessoas que amo. Isso é especial”, conta.
Já o bar, sempre aberto aos amigos e instalado no chão da sala de estar, foi fruto do acaso. “Era uma solução temporária porque, quando a gente se mudou, há um ano e meio, ainda faltava fazer alguns móveis”, explica. Mas o casal gostou tanto do efeito que acabou desistindo da marcenaria. O mesmo aconteceu com os livros, que permanecem empilhados ao longo da parede, dividindo espaço com telas de Iran Espírito Santo e Ivald Granato, bem de frente para o jardim verdejante que agrega uma deliciosa sensação de infinito.
*Matéria publicada em Casa Vogue #358 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)