Eles ainda não se conheciam, mas já cultivavam o hábito de manter os olhos em permanente estado de atenção para tudo o que é belo, bom e inusitado. Quando se casaram, somaram antiguidades e obras de arte, grandes móveis e delicados mimos raros, livros e informações. O resultado poderia ser o desatino, o caos, a acumulação despropositada. Mas surgiu na vida do casal – uma advogada e um executivo – o arquiteto Henrique Steyer que, distante anos-luz de qualquer convencionalismo, é o autor do projeto de interiores desta casa de quatro níveis e 500 m² na capital gaúcha.
A moradora havia deparado com um trabalho do profissional em uma revista: “A matéria mostrava uma plotagem da cantora Madonna ao lado de uma espécie de tonel, o tipo de coisa que eu gosto”. A composição exibia ainda santos barrocos e um nu do artista plástico Alex Flemming. “Era uma mistura de sagrado e profano”, lembra Steyer. Quando os dois se encontraram, perceberam que não se tratava de acaso, mas de destino. “Ele logo se tornou alguém muito próximo”, conta a moça. O arquiteto confirma, lembrando que costuma viajar com os clientes em busca de novas e preciosas aquisições.
Em uma dessas jornadas, saindo do MoMA, em Nova York, viram um africano que expunha ráfias de diferentes cores, perfeitas para forrar as cadeiras da sala de jantar. Mas o dono das ráfias só aceitava dinheiro, e, na hora, o trio não dispunha da quantia requerida. Tudo bem, ele vendeu fiado, como se estivesse diante de velhos conhecidos. Steyer voltou com a proprietária para saldar a dívida, mas o rapaz havia evaporado. Só lá pelo terceiro dia reapareceu, para alívio dos compradores.
São ideias originais, como essa, que aproximaram o arquiteto da família. Além, é claro, da capacidade que ele tem de reunir com bom gosto e irreverência calculada o acervo de que a casa dispõe. “Precisávamos de alguém que olhasse para o que já tínhamos e arranjasse tudo de modo a fazer sentido”, diz a moradora. Foi assim que as peças antigas ganharam, pelas mãos de Steyer, a companhia de móveis contemporâneos – alguns assinados pelo profissional, que acaba de lançar sua primeira coleção.
Além de promover esse diálogo entre épocas e materiais, ele mira certeiramente o espaço que cada item deve ocupar, da arte indígena às máscaras africanas. Um casulo assinado pelo artista Siron Franco, por exemplo, fica ao lado de anjos barrocos. “É a minha Madonna com o tonel”, compara a moradora, ao elogiar o talento do amigo para associar de forma instigante o que parece, à primeira vista, inconciliável.
O trabalho de Steyer não acaba. “Agora minha filha, aos 6 anos, decidiu que não é mais criança e o quarto dela está sendo refeito”, afirma a moradora. E, com tantas e constantes aquisições, não é mesmo possível finalizar. “Não quero que acabe”, ela fala. “Gosto de pensar que a casa é um organismo vivo, que muda à medida em que nós mudamos.” Steyer completa: “Há vários depósitos espalhados pela residência. Nós olhamos, pegamos alguma peça e damos um novo lugar a ela”. Mesmo assim, às vezes, um objeto acaba perdendo o seu significado aos olhos dos donos. Aí, ele vai para um leilão, geralmente no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Se por acaso você estiver em um deles, pode ser o seu dia de sorte.
* Matéria publicada em Casa Vogue #336 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)