É através do maciço da Maria Comprida, encravado na Serra dos Órgãos, que se chega a Araras, distrito ecológico desde 1995, um dos locais mais bonitos do interior do Estado do Rio de Janeiro. No período colonial, essa gleba de três hectares servia de passagem para tropeiros que seguiam para as Minas Gerais. Passado o tempo, o presidente Juscelino Kubitschek se tornou dono das terras onde está fincado o sítio. JK e dona Sarah presentearam o terreno à filha mais velha, Marcia, ao se casar com Bê Barbará. No final dos anos 1980, foi adquirido pelo casal que transformou a propriedade na beleza que podemos constatar nestas páginas.
Protegido por uma gigantesca encosta íngreme de rocha nua de granito cinza que brilha com as pequenas cascatas formadas pela água das chuvas, o terreno é circundado por um muro de hera à maneira das casas de campo inglesas. Uma alameda bifurcada leva à sede, à casa dos caseiros, à garagem, às cocheiras com duas baias e piquete, ao estúdio e ao gazebo, como é chamado o pavilhão da piscina. São os únicos prédios da propriedade, com mil m² de área construída, que passou por cuidadoso projeto de reforma e ampliação meticulosa a cargo do arquiteto Walter Menezes, de 1992 a 1996. Aqui, reina a privacidade e a discrição, exceto pelo espetáculo da natureza, a razão de ser do refúgio do casal, já falecido, amante das artes, das flores, da leitura.
Com um piso que acompanha o desnível do terreno, a sede é um chalé cujo interior abriga um décor aconchegante, nos moldes dos cottages do bucólico sudoeste da Inglaterra. São cinco quartos, uma cozinha espaçosa, sala de jantar, saleta de café da manhã, uma adega no subsolo e um living em “L” onde se encontra também o escritório. “Ela vestia suas casas com o cuidado que sempre teve consigo mesma, com delicadeza e sensibilidade. Não tinha pressa alguma em decorá- las, deixava os espaços vazios até descobrir a peça que buscava. Nunca dependeu de decorador. Gostava de branco, marfim e flores. Mas, na verdade, sua paixão era esse jardim”, revela o artista plástico Miguel Curia sobre a irmã, a proprietária, uma das mulheres mais elegantes que já houve.
Desenvolvido de 1991 a 2005, o paisagismo dos 18 mil m² em torno da sede foi entregue a Isabel Duprat. “Foi um prazer, sobretudo pela paixão do casal pelo jardim, que seguiu todo o processo”, diz a paisagista desta área, onde as estações são reverenciadas por meio de cadências cromáticas, cíclicas. No outono, os bulbos dos tritomas ganham cor de fogo, e as floradas das mimosas perfumam o ar. Chega o inverno, findam os maciços de azaleias brancas. Na primavera, uma profusão de gardênias, agapantos azuis e lírios-amarelos. No verão, o azul intenso dos tufos de hortênsias envolve a casa.
Movida pela sua paixão por flores, a proprietária pediu ao arquiteto e à paisagista que transformassem a antiga quadra de tênis em um jardim de rosas, inspirado nas ilustrações da respeitada garden designer inglesa Gertrude Jekyll (1843-1932). O espaço acabou sendo o local preferido do casal: Lucia Curia Moreira Salles e seu marido Walther Moreira Salles. Aqui, apreciavam o roseiral com suas flores brancas e amarelas e sentavam-se horas no banco de madeira sob a pérgola de buganvília lilás para se entreter com a boa leitura e a contemplação da natureza dadivosa. De-lovely, de-lightful, cantaria Cole Porter.
* Matéria publicada em Casa Vogue #333 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)