
Absurdamente criativos, Fernando e Humberto Campana jamais se furtaram a experimentar com materiais. Bichos de pelúcia, lascas de madeira, pele de peixe, cristais, cordas, bronze – tudo isso já foi incorporado a poltronas, sofás, mesas, luminárias e por aí vai. Agora, ao desenharem, pela primeira vez, uma casa desde o princípio, se aventuraram com outra matéria-prima inusitada. Localizado no bairro paulistano dos Jardins, o lar de Solange Ricoy e Stefano Zunino exibe uma fachada arrebatadora, revestida, de alto a baixo, de piaçava.

Solange, fundadora da Alexandria Group, consultoria internacional de estratégia e branding, e o marido, CEO para a América Latina e head global de digital da agência de publicidade J. Walter Thompson, adquiriram o terreno estreito há sete anos e contrataram os Campana porque, em suas palavras, “são a expressão do Brasil”.

O casal queria que a residência tivesse uma grande fachada opaca, capaz de inibir eventuais bisbilhoteiros, bem como um interior arejado, que fluísse para o jardim dos fundos. Dessa forma, a família (incluindo dois filhos menores, Niccoló e Costantino, ainda presentes, e dois mais velhos, Matteo e Benedetta, morando fora para estudar) “poderia habitar dentro como se estivesse ao ar livre, e viver fora com o conforto de estar dentro”, diz Solange.

Outro pedido especial foi a enorme estante, considerada por ela “o elemento central da casa”, com capacidade para armazenar cerca de mil livros. Com base nesses requisitos, o projeto tornou-se, segundo Humberto, “um exercício de volumetria, luminosidade e funcionalidade”.

Os irmãos designers também optaram por empregar uma variedade maior de móveis do que apenas aqueles criados por eles. “Teria sido muito ditatorial”, argumenta Fernando. “Não se trata de um showroom Campana, afinal.”

O projeto, lembra Solange, passou por várias revisões antes do início da obra (só a estante foi redesenhada sete vezes). “No começo era estilo favela, em seguida, barroco brasileiro, e depois voltamos para uma abordagem mais simples, tropical sul-americana, ao estilo dos Campana, com toques de design italiano”, afirma ela. “Essa mistura reflete a gente: meu marido é italiano e eu sou argentina.”

No subsolo, ficam a garagem e as dependências de serviço. Living, biblioteca, cozinha e terraço ocupam o térreo, enquanto no segundo andar estão os quartos das crianças e uma varanda. A suíte máster fica no topo de tudo isso, circundada por um outro terraço, como uma penthouse.

Mas e esse componente sui generis na frente da morada? Isolante e à prova d’água, a piaçava raramente é vista fora de vassouras ou quiosques de praia. Embora seja a primeira vez que os designers utilizam o material em um edifício, já o tinham empregado antes. Em 2003, desenharam um candelabro que combinava piaçava e cristais Swarovski e, em 2007, usaram-na para cobrir uma parede na exposição MyHome, no Vitra Design Museum. Na casa, a piaçava, presa em ripas de madeira penduradas em uma moldura de alumínio, terá de ser substituída de tempos em tempos.

Se a frente de aspecto cabeludo surpreende – além de ser um pit-stop ideal para maritacas –, o mesmo pode ser dito da estante revestida de couro, que sobe até a claraboia, por onde a luz natural se derrama para dentro.
De resto, os ambientes são mobiliados de forma simples, com cores brilhantes que iluminam as paredes majoritariamente brancas. Dadas as aberturas da construção e seus vários terraços, não surpreende que Solange, Zunino e seus filhos sejam vistos mais fora do que dentro da residência. Niccoló e Costantino descobriram que a “pele” engraçada do lar torna fácil contar aos amigos onde eles moram. Como a mãe explica com um sorriso, “os meninos a chamam de Casa Mamute”.

