Escrever um roteiro não é algo fácil de se fazer, mesmo ele sendo baseado em alguma obra já publicada. Para os nomeados ao Oscar 2018 por Melhor Roteiro Original, algo em comum liga os cinco filmes: a narrativa inesperada com fundo politizado (alguns mais outros menos). Mas o que não podemos negar é que a premiação nunca esteve tão inclusiva - demorou, mas chegou. Este ano, vemos comédias românticas verdadeiramente divertidas e nada óbvias, ironias sobre a construção social norte-americana, mulheres fortes em papéis fantásticos e nem a pitada de surrealismo fica na beira da mesmice. Confira os detalhes dos concorrentes abaixo:
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“The Big Sick”, Emily V. Gordon e Kumail Nanjiani
![Oscar 2018: os indicados a melhor roteiro original (Foto: Divulgação) Oscar 2018: os indicados a melhor roteiro original (Foto: Divulgação)]()
A comédia queridinha do ano é baseada na história do casal que escreveu o roteiro (Kumail também atua no filme). Pode parecer algo surreal, mas eles se conheceram durante a apresentação do comediante e pouco tempo depois que o relacionamento estava firme, a menina entra em coma. A vida sempre traz surpresas para todos, mesmo que elas sejam loucas (quem nunca?). Porém, para escrever um roteiro sobre a sua própria vida tem suas dificuldades. Emily deixou claro para todos os envolvidos no projeto, incluindo o amigo de longa data Judd Apatow, que The Big Sick não era um documentário e sim uma ficção baseada em fatos reais. Existem, portanto, elementos que são reais e outros que foram inspirados ou que cabiam no contexto do projeto. “Eu sempre penso que relacionamentos são coisas separadas. Na terapia você tem duas pessoas falando sobre uma terceira situação, a relação entre elas. É nisso que eu penso quando escrevo histórias: Como o relacionamento é? Como ele é diferente dessas duas pessoas que estão nele?”, comentou a roteirista ao The Hollywood Report.
O nome também tem influência de Emily. “Tenho a cicatriz da cirurgia do pulmão nas costas e a chamo de ‘Big Red’ faz 10 anos. Enquanto estávamos escrevendo o roteiro, Kumail e eu apelidamos de ‘Bid Sick’ e não é que funcionou?”, brinca ela. Outra coisa bem interessante, que torna The Big Sick uma excelente comédia, é o viés dado para todos os personagens. Diferente da maioria do gênero, nas quais é o olhar masculino desentendido do mundo sobre determinada situação e a mulher é apenas um “acessório” para isso, Emily quis retirar a frase “perspectiva feminina”, para torná-la uma história entre duas pessoas, sem abordagens enviesadas sobre nada. “Ambos os personagens têm uma vida completa e não estavam esperando o outro para se sentirem cheios de si. Eles são melhores pessoas juntos, mas não estão completando um o outro, como costuma-se dizer”, reflete Emily. Daquelas comédias para ter na mão sempre que precisar ver algo bom, mas leve.
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“Get Out”, Jordan Peele
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Muitos acharam que o filme não iria concorrer, talvez pelo tempo (ele estreou no começo do ano passado, mas tá valendo) ou pela ousadia da narrativa do diretor e roteirista, Jordan Peele. A criatividade dele merece toda a atenção, já que toca em inúmeros pontos da falta de representatividade negra na sociedade norte-americana, no cinema, no gênero terror e na vida no geral. “Os negros são sempre os primeiros a morrer em filmes de terror, são os que aparecem menos, são os que têm menos falas nos filmes”, declarou no Twitter. Pois bem, o roteiro original conta sobre um jovem negro que vai conhecer pela primeira vez a família da namorada branca, daquelas bem tradicionais dos Estados Unidos, com casa de campo e tudo. A situação fica meio sinistra depois de algumas horas no local, observando que apenas dois empregados da casa são negros e o resto de todas as pessoas presentes são brancas - esses dois ainda tem um comportamento estranho, digamos. O roteiro é bem equilibrado quanto a momentos de comédia (cínica) e momentos de aflição máxima - lembre-se da cena em que Daniel Kaluuya está com os olhos arregalados e chorando.
A mistura de gêneros dificultou até as premiações internacionais que dividem os concorrentes por categoria (não é o caso do Oscar), mas Peele define como uma subversão de todos os estilos em um só filme. “É a tradução da minha experiência como ser humano e da experiência de vários outros negros e minorias ao redor do mundo”, declarou o diretor. O processo de Corra! foi bem intuitivo e o objetivo de Jordan Peele ao escrever o roteiro era fazer um thriller jamais feito antes. “Só no meio do processo que percebi sobre o que estava escrevendo.” Como este projeto é extremamente único e certamente independente, metáforas permeiam toda a narrativa. O momento em que o protagonista se perde em um buraco negro e não tem seu grito de socorro ouvido diz muito sobre o quanto a população negra não é escutada/levada em consideração nas suas lutas e nas suas falas.
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“Lady Bird”, Greta Gerwig
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Greta Gerwig é maravilhosa desde Frances Ha (2012). Mas além da atriz despojada e convincente, ela se mostrou uma ótima diretora e roteirista com seu filme de estreia atrás das câmeras, Lady Bird. O drama sobre as relações entre a protagonista adolescente e sua mãe, amigas, amores...tem uma leve inspiração na vida de Greta, mas sem muitos aprofundamentos (mesmo caso de The Big Sick). “Os diretores sempre colocam um pouco de si naquilo que estão criando, mas não era o meu intuito fazer um filme sobre mim”, esclareceu ela em entrevista ao IndieWire. Ainda bem, porque a naturalidade do roteiro está garantida aí, na falta de prendimento com “fatos reais”. A história em si não é a invenção da roda, mas o modo como ela é contada talvez seja. Não é um filme sobre a disputa de egos nas escolas norte-americanas ou um musical sobre o romance e as vinganças entre os alunos. É genuíno, é puro e é altamente fácil de se identificar com várias situações, mesmo que você seja homem.
O foco é a relação de Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse Ronan) com sua mãe, Marion (Laurie Metcalf), durante a fase mais complicada da adolescência: a escolha da faculdade, a descoberta da sexualidade, as notas no terceiro ano, o começo de todas as responsabilidades. O mais legal de tudo isso é que Greta conseguiu transformar o roteiro em um drama-comédia fora do convencional, com uma protagonista ambígua e tantos outros personagens, que por mais que caiam (alguns) nos estereótipos, sempre enriquecem a narrativa de alguma forma. Para ver e rever quantas vezes puder!
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“A Forma da Água”, Guillermo del Toro e Vanessa Taylor
Transformando uma história que tinha tudo para ser um terror/suspense em um conto de fadas contemporâneo, Guilhermo del Toro prova, mais uma vez, que é o rei da narrativa fantástica. Ao lado de Vanessa Taylor, eles construíram um universo com diversas referências à cultura brasileira e os deuses amazonenses, dentro de um tempo/espaço pós Segunda Guerra Mundial, em um Estados Unidos vivendo da fartura e da boa publicidade comercial. Além de tudo isso, ainda fizeram uma moça muda e um homem-anfíbio se apaixonarem. Parece loucura mas funciona, e muito. A história é daquelas de chorar saindo do cinema, porque é impossível não se comover.
Del Toro quis trazer o “monstro” como o elemento surpresa, como de costume, em uma forma que fica impossível não se apaixonar. É um roteiro sobre aceitação, sobre a diferença, sobre as minorias, sobre uma princesa encantada que não é a mais óbvia de todas, sobre ressignificar a imagem comum de certas situações em momentos mágicos. “Quando eu era pequeno, me encantava com os monstros dos filmes, mas ninguém me entendia. Quero que o mundo veja esses ‘monstros’ com os olhos que eu sempre os enxerguei”, revela ele.
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“Três Anúncios para um Crime”, Martin McDonagh
Estrela das premiações internacionais, incluindo BAFTA e Globo de Ouro, o filme escrito e dirigido por Martin McDonagh fala sobre a história de uma mãe que perdeu a filha de maneira brutal, mas não vê ação da polícia local na investigação do crime. A história foi desenvolvida e pensada por McDonagh em 2010 e foi moldada nos últimos oito anos. Desde a concepção da personagem Mildred, o roteirista idealizava Frances McDormand para o papel da mãe. E ele tinha toda a razão, não a toa ela está ganhando em todas. Frances é a mulher, a força feminina perfeita para representar a aflição de uma mãe que teve acertos e erros na criação de sua família - e tudo bem. Porém, não abre mão da justiça que precisa ser feita a favor da dignidade da sua filha estuprada e queimada viva. Os personagens são excelentes, talvez a melhor parte do filme, complexos, cheios de camadas, nada óbvios logo de cara, o que auxilia na riqueza da narrativa.
Martin McDonagh se inspirou em um caso policial real para o desenvolvimento do roteiro. James Fulton, hoje um senhor de 86 anos, vem colocando anúncios na estrada de Vidor, no Texas, há mais de 30 anos. Sua filha, Kathy, foi estuprada e morta em 1991 e a polícia local não fez nada a respeito até hoje. Mesmo que as condições de temperatura e pressão não sejam as mesmas, as histórias soam bem similares (contadas com exclusividade na reportagem do Daily Mail) e provavelmente esse tom de realidade que nos faz conectar com a tela a todo momento. O senso de justiça, talvez, seja o grande propulsor desse sentimento, mas para quem é mulher, como eu, ver uma personagem feminina tão bem construída com tamanho destaque em um filme de grande distribuição é gratificante.