
Sexta-feira, 10h da manhã: Djamila Ribeiro recebe a equipe da Casa Vogue com a mesma naturalidade com que escreve seus artigos e livros de sucesso. Enquanto Lugar de Fala (editora Pólen, 112 págs.) e Quem Tem Medo do Feminismo Negro? (Companhia das Letras, 120 págs.) despontam nas livrarias nacionais, a pensadora mestra em filosofia equilibra a rotina de autora best-seller com a calmaria do lar.

“Moro aqui há três anos, mas agora sinto que consegui compor uma decoração coma minha cara”, conta, sobre o apartamento que divide coma filha Thulane, de 14 anos, o companheiro Brenno Tardelli e a gatinha Lupita, no bairro da Lapa, Zona Oeste de São Paulo. Aqui, Djamila preza pelos momentos de autocuidado e introspecção. “Adoro ver filmes no sofá e ler livros no jardim do prédio. Estou sempre em eventos, palestras, rodeada de pessoas. É muita troca de energia, preciso desse tempo de recolhimento”, explica.

O silêncio da vizinhança é quase utópico dentro do caos sonoro da cidade. “Escolhi aqui porque curto esse clima. Me lembra um pouco Santos, onde nasci e morei até 2016.” A mudança para a capital aconteceu após uma separação e, coma agenda cada vez mais concorrida, ela decidiu ficar. “O imóvel é alugado, não podemos fazer tantas modificações quanto gostaríamos. Encontrei na organização dos detalhes a forma ideal de colocar um pouco de mim na casa”, diz ela, que se redescobriu neste processo.


Máscaras africanas, figuras de orixás do candomblé e flechas indígenas dividem espaço com plantas e quadros de grandes artistas e escritores negros. “A identidade, para mim, é fator muito importante na hora de criar um lar acolhedor.” No mobiliário, peças com memória afetiva foram garimpadas em feiras e antiquários. “O bufê da sala tem mais de 60 anos, a mesa de jantar tem50 e o rack tem 30”, ela ri. “Gosto de móveis com história. Sou contra a lógica consumista, de termos de comprar tudo novo a toda hora”.

No mês passado, Djamila embarcou para Paris, onde lançou seus dois livros em francês. “Este é o momento da minha carreira em que me sinto mais segura. Ter meus livros traduzidos parece um sonho. Eu fiz filosofia, sempre estudei os escritores franceses; agora, o movimento é contrário. É muito gratificante.” A turnê passou por cinco cidades na França e depois seguiu para a Bélgica. Universidades e espaços criativos lotaram com a presença da filósofa e ativista.

Mas o público não é novidade para ela. Em maio, 3 mil pessoas compareceram ao relançamento da coleção Feminismos Plurais – editada pela editora Pólen e o selo Sueli Carneiro. Em 2018, a Casa Natura transbordou no lançamento de Quem Tem Medo do Feminismo Negro? Em 2017, ao divulgar Lugar de Fala no Rio de Janeiro, ela fechou uma rua na Lapa. “Ainda tenho frio na barriga, sabia? Acho que isso mostra a verdade do meu trabalho e reafirma o que sempre quis: não ser uma autora distante dos leitores.”

Sua proposta é proporcionar conhecimento de forma acessível, quebrando a barreira acadêmica e sua aura de superioridade, o que a torna uma das pensadoras brasileiras contemporâneas mais relevantes e abertas ao diálogo. “Apesar de vivermos um período dificílimo no país, não podemos ignorar todos os avanços. Nunca se falou tanto de racismo no debate público. Inclusive, eu ser uma das autoras mais vendidas do Brasil, um país em que, de todas as obras literárias lançadas nos últimos dez anos, apenas 10% eram de autores negros, é reflexo disso”, pondera
“Fico triste por um lado, mas feliz por outro. As pessoas não vão voltar atrás. Elas vão continuar existindo, exigindo maiores evoluções e querendo debater os temas. Isso dá gás para continuarmos.” Prova disso é o recém-assinado contrato para traduzir Lugar de Fala para o espanhol. “Será incrível dialogar com a América Latina. Valorizamos tanto o que vem do Norte que esquecemos quão rica pode ser essa troca entre nós.” Reafirmação de cultura e identidade não faltam – nem nos textos e nem na casa de Djamila Ribeiro.
*Reportagem originalmente publicada na edição de junho da Casa Vogue