Estar no alto do Joá é ser confrontado pela imensa força de uma paisagem tipicamente carioca: a junção entre mar, montanha e floresta. Quando o empresário Arif Noor esteve no Rio de Janeiro pela primeira vez, no fim de 2012, visitou uma casa que estava à venda nessa região. A paisagem o encantou de tal modo que o que era para ser mais um investimento tornou-se uma aventura pessoal de quase dois anos – a reconstrução da morada, planejada nos mínimos detalhes pelo próprio Arif. “Coloquei minhas forças mais profundas neste projeto”, diz ele, que contou com a ajuda técnica do escritório Fabio Barreto Arquitetura e Design. Arif nasceu em Uganda, no leste da África, mas migrou com a família para o Canadá aos 9 anos. Trabalhando desde cedo no comércio ligado à moda, incorporou em sua vida o gosto pelo apuro visual e o apreço pelo design.
Como empresário, acostumou-se a viajar o mundo a negócios. Desenvolveu, assim, em suas próprias palavras, “uma capacidade de ajustar a sensibilidade para as diferentes culturas”. Foi com esse olhar plural que Arif compôs os ambientes de sua casa carioca. Ele comprou pessoalmente móveis na Indonésia e em Hong Kong. Numa garagem na Cidade de Deus, famoso bairro do subúrbio do Rio, encontrou por acaso os parafusos com perfil e tamanhos exatos para a grande lareira da sala, que há tempos ele procurava sem êxito. A residência era uma maravilhosa oportunidade de ele exercitar continuamente sua imaginação de projetista, cada item sendo cuidadosamente pensado na medida em que a obra ia sendo executada, numa espécie de work in progress.
A primeira ação a ser feita foi “abrir” as paredes, deixar que a casa fosse literalmente invadida pela paisagem. De fato, a qualidade mais notável da morada é sua transparência – jamais há a sensação de se estar preso entre paredes. O espaço inteiro parece respirar. O pé-direito de quase 4m contribui para tal sensação, e no teto se percebe o grafismo elegante da estrutura do telhado de madeira. Remanescente raro da construção antiga, o telhado foi criado há cerca de 40 anos por José Zanine Caldas, arquiteto que se notabilizou pelas casas construídas nessa mesma região da Joatinga – moradas feitas de madeira, pedra e vidro, materiais básicos que buscavam uma integração orgânica com o entorno. Ao seu modo, Arif seguiu a mesma trilha.
Na sala de estar, o tom quente das vigas do telhado faz eco aos móveis e esculturas de madeira rústica e também às tonalidades de marrom do couro de cadeiras e sofás. Junto ao jardim do muro interno, com as cubas de pedra rústica dos lavabos e banheiros, eles reforçam a impressão de que a natureza está dentro da casa. Os ambientes são marcados por uma transição macia, quase uma conciliação, entre interior e exterior. Em nenhum momento a decoração tenta competir com o cenário natural – a vista passeia por ele para logo depois repousar sobre a linha do horizonte, ou sobre os contornos do morro Dois Irmãos. “Sentimos os móveis como se fossem transparentes”, conta Arif. Não há grandes contrastes na paleta de cores. As superfícies metálicas de lustres e revestimentos refletem o espaço externo, trazendo as cores do céu e do mar do Rio de Janeiro. E, no fim, era exatamente essa a intenção de Arif: construir uma casa que soubesse escutar a voz da paisagem.
* Matéria publicada em Casa Vogue #350 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)