“Morar na Place des Vosges é quase como morar no interior. Das nossas janelas, enxergamos um tapete fabuloso que muda de acordo com as estações – amarelo, depois vermelho, depois verde. Dá para ouvir o barulho da água nas fontes, os passarinhos nas árvores... Estamos bem no meio de Paris, mas não parece.” Quem conta é a arquiteta Doriana Fuksas, mulher e sócia de Massimiliano no Studio Fuksas, responsável por projetos de renome internacional, como os pavilhões da Fiera Milano (que sedia o Salão do Móvel), o novíssimo terminal do aeroporto de Shenzhen, na China, e as impressionantes lojas da Armani em Nova York e Tóquio, entre dezenas de outros. Em Paris, um dos lugares onde mantém domicílio, além da Roma natal e da ilha siciliana de Pantelleria, o casal vive na rive droite, em um apartamento na praça situada no Marais, entre criações de Lucio Fontana, Alighiero Boetti, Isamu Noguchi e Jean Prouvé.
É uma morada feita de vidas urbanas, de acumuladores de milhas aéreas que viajam por necessidade e por vocação. Um lar imerso em muita história. “Todos os três andares pertenciam a Fernand Pouillon – um arquiteto famoso na França nas décadas de 60 e 70, que depois fugiu para a Argélia –, e a casa reflete os gostos, as paixões, a sensibilidade e a sexualidade dele”, revela Massimiliano. “Certas passagens parecem caminhos eróticos, com partes que se cruzam, se sobrepõem e convergem – entre o estúdio e a área íntima havia um vestiário e uma banheira dupla feitos de materiais luxuosos e sedutores. O sistema de portas e janelas oferecia vistas da Place des Vosges a partir da Jacuzzi. Nós preservamos a sequência. A banheira se tornou ‘monopessoal’, sem iluminação especial, mas foram só pequenos ajustes, nada radical.”
Segundo ele, lembranças sentimentais e coincidências estranhas envolvem a residência. “Uma vez, apareceu aqui um casal de arquitetos que parecia querer o imóvel a qualquer custo. Mas, de repente, desistiram da ideia e foram para uma casa grande com duas entradas. Entendemos depois que o nosso apartamento poderia ser adequado a pessoas que, apesar de viverem juntas, querem ter vidas separadas, extremamente independentes!”
A longa tábua de madeira no living abraçada por dez cadeiras é o ponto focal. É mesa de jantar, escritório, design, paixão e partilha. É obra de Jean Prouvé, arquiteto e designer seminal do século 20, cuja valorização atual deve muito ao resgate de suas casas de emergência, promovido pelos Fuksas na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2000, da qual foram curadores. Por todos os cômodos estão as criações dele – a mesa e as cadeiras desenhadas para uma escola infantil, seus ícones, e outros móveis. “Já faz mais de 20 anos que compramos diversas peças de Prouvé. Somos loucos por elas e todas as que possuímos são originais”, afirma Doriana.
A morada Fuksas revela-se atemporal, projetada no futuro distante, lar de amigos e conhecidos. “Nossa casa é o lugar para onde gosto de voltar, é onde o coração está, as pessoas que você ama”, poetiza Doriana. O marido tem um approach mais arquitetural. “Não compartilho a ideia de que um espaço tenha de ser reservado para um objetivo específico: para mim, o espaço é fluido, eu detesto o peso da arquitetura, da organização.” Mas não resiste à poesia: “Gosto de me ver como um vento que acaricia as dunas do deserto, que muda a forma delas apenas por soprar com suavidade. Essa ideia de que o vento traz lufadas de perfumes me é muito cara”. De perfumes e de mudança.
*Matéria publicada em Casa Vogue #354 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)