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Se Duchamp fosse biólogo

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Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

“Água, barra de cereal, repelente e, se você estiver numa onda hippie, um biquíni para uma cachoeira no final” – esta era a lista recomendada por Rodrigo Braga antes de nos aventurarmos pela mata do Horto, no Rio de Janeiro. Na mochila dele, mais alguns elementos: o equipamento fotográfico, escovinha para “limpar” alguma cena, estilete, lanterna, martelo e algumas penas de galo brancas. A ideia? Caminhar por horas em busca de inspiração. Afinal este artista manauara está com o ano cheio: abre, este mês, individual na Casa França Brasil, no Rio de Janeiro, e, em seguida, expõe no Paço das Artes e na Galeria Vermelho, em São Paulo, no Museu do Estado, no Recife, e no Palais de Tokyo, em Paris.

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

Para quem não sabe, Rodrigo é filho de ecologistas pioneiros e o contato com a natureza exuberante da Floresta Amazônica fez parte de seu processo criativo desde a infância. Fazia longas caminhadas com a família e desenhava (como toda criança) tudo o que via ou queria ver. Foi na fotografia e vídeo – e, mais recentemente, nas instalações –, no entanto, que encontrou sua melhor forma de expressão. Rodrigo se entrega de corpo, mente e corações abertos. “Não sou um artista de ateliê. É preciso imersão e estar em um estado de espírito especifico. Sentir o lugar para criar algo forte”. 

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

Se em muitos momentos ele se coloca como protagonista promovendo um embate (ou comunhão) com animais, em outros, mistura elementos da paisagem criando mimetismos estéticos que resultam em fusões que causam estranhamento e, ao mesmo tempo, sedução: peixes viram folhas; pedras, galhos e fendas se transformam em órgãos; ossos, penas e peixes fazem a vez de folhas e frutos – um mix de surrealismo fantástico, arte conceitual e pura poesia.
Nossa aventura começa (maravilhosa e paradoxalmente) em uma estrada no meio da cidade – portal de entrada para a densa floresta do Horto. Logo na entrada, velas e frutas em decomposição – oferendas são comuns por aqui e despertam o interesse de Rodrigo. Ele saca o iPhone e tira uma foto.

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

Se tivesse tempo, confessa, desenharia aquela imagem-referência. Saímos da trilha “oficial”. Silêncio e observação. Pisadas sobre a terra únida, cheiro de mata e insetos: a chuva do dia anterior derrubou muitas jacas que já estavam em decomposição. Passo reto. Ele observa o formato das pedras, galhos e folhas. As cores dos troncos estavam diferentes – nossa primeira parada é, então, em uma árvore verde e laranja. Rodrigo posiciona as penas em um buraco, sugerindo a passagem de um pássaro por ali, e espera a luz perfeita.

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

“Faço associações com o que encontro. As escolhas são simbólicas, mas também estéticas como na composição de naturezas-mortas”, explica o artista já famoso por realocar elementos da natureza para ganhem novos significados – como se Duchamp fosse biólogo! Não encontramos, portanto, “somente” uma foto. É pintura, instalação e performance: ele pensa em textura e cores e constrói situações que pressupõem uma ação do artista. Durante o caminho, procura uma destas instalações que tinha deixado no meio da floresta e aponta árvores e encruzilhadas conhecidas: “Esta caiu em Janeiro de 2014”. Encontramos os lugares onde ele fez Untitled (Pedra e árvore) e o vídeo De natureza passional.

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

A segunda obra também começa pelo visual, mas logo ganha força e significados mais profundos. Rodrigo tira a sujeira da raiz de uma jaqueira: os pontos vermelhos são semelhantes à textura das jacas. Resolve, então, selecionar várias delas, em diferentes estados de apodrecimento, para construir sua imagem. “O fruto volta a ser terra.”, analisa sugerindo outro ponto marcante de seu trabalho: a morte e os ciclos naturais (pense em Sal e Prata, por exemplo). Fico impressionada com a quantidade de jacas caídas e ele explica: “É uma planta exógena [foi trazida da Ásia] e acabou se transformando em uma praga”.

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

E foi outra árvore nada nacional a principal fonte de inspiração para Tombo, mostra da Casa França Brasil: as palmeiras imperais. “Apesar de ser símbolo do gigantismo da natureza do país, a primeira palmeira veio das Antilhas e suas sementes foram controladas por muitos anos”, explica. Se Dom João VI foi o responsável por trazer a imponente espécie, ele também “importou” os criativos da missão francesa. Entre eles, estava o arquiteto Grandjean de Montigny responsável pelo projeto neoclássico da então Praça do Comércio (símbolo da importação) – hoje, o espaço expositivo que acolheu Rodrigo. “Duas coisas são muito pulsantes no Rio e impressionam quem vem de fora: a história da arquitetura e a natureza densa”, explica Rodrigo que mora na cidade maravilhosa há sete anos. Destes dois aspectos muito presentes na cidade, veio a analogia entre os pilares neoclássicos falsos do espaço expositivo e as árvores que estão morrendo – ambos ocos por dentro.

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

No fim da trilha fomos (de fato) para a cachoeira. Precisávamos, afinal, celebrar a essência da arte: encantar e servir de instrumento mágico para ajudar o homem a se relacionar com a natureza e a conviver em sociedade.

Matéria publicada em Casa Vogue #356 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: Pedro Agilson / divulgação)

 

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

 

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

 

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

 

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

 

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Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

 

Rodrigo Braga revela seu processo (Foto: divulgação)

 

 


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