Não basta apenas entrar na loja e sacar o cartão de crédito para se tornar dono de uma luminária de teto Porca Miseria!, do alemão Ingo Maurer. Antes, é preciso enviar o projeto do ambiente do qual ela fará parte ao estúdio desse gênio da luz, em Munique. Com a aprovação do mestre, aí, sim, a peça de um dos nomes que mais desafia os limites do lighting design contemporâneo entrará no acervo particular do comprador. Foi essa a trajetória da Porca Miseria! que irradia luz e arte neste apartamento paulistano, onde também figura outra peça assinada pelo designer: a Seven Rats, uma divertida luminária que traz ratinhos pretos e brancos enjaulados em cubos de fios de latão dourado. Segundo Freud, é enxertando o inabitual no previsível que se dá a surpresa, justamente o tour de force desta morada que exala criatividade e uma bem-humorada dose de provocação.
Para a arquiteta Zize Zink, o projeto nasceu da tão sonhada química entre clientes e profissional. “Aconteceu uma união de personalidades, a do jovem casal com três filhas, de 12, 8 e 5 anos, e a minha. Foi maravilhoso”, diz. Como eles adoram a swinging London, onde haviam morado, proprietários e arquiteta voaram para a capital inglesa e, no espaço de uma semana, compraram o mobiliário de A a Z, exceto a arte, adquirida no Brasil. “Escolhemos tudo lá: móveis, tapetes, tecidos. Até os eletrodomésticos da cozinha vieram da Inglaterra. Forno, fogão, geladeira...”, revela Zize, que reza na cartilha da personalização do décor, acredita no custom-made e aposta na ousadia das cores, fugindo da homogeneidade politicamente correta.
No apartamento de 650 m², inteiramente reformado, fica evidente que aqui mora gente incomum, que sabe o que quer. No hall, três peças dão o tom: o sofá laranja da B&B Italia; o políptico lisérgico do argentino Julio Le Parc; e a luminária São Paulo, especialmente produzida para o imóvel pela dupla Jimmie Karlsson e Martin Nihlmar, os nomes atrás da hypada marca londrina Jimmie Martin, de móveis ecléticos e urbanos. Com poucas paredes, a área social reúne o estar, o home theater e a cozinha gourmet planejada pela Kitchens, vizinha da sala de jantar. Na área de preparo fica a prova de que a irreverência e o cuidado com os detalhes se estendem por todo o projeto – a parede acima da bancada foi revestida por azulejos da série Panacea Phantastica, 2003, de Adriana Varejão.
O espaço das meninas, todo colorido, é quase um miniapartamento: suíte, closet e dois quartos com um banheiro atendem às pequenas. A suíte é território da mais velha, que conta com uma inusitada porta metálica de enrolar, dessas vistas no comércio, fazendo as vezes de divisória entre o dormitório dela e os das irmãs menores. Já no espaço do casal, o cenário é branco, quase monocromático, exceto pelos tons terrosos da colcha e pelo cobre das luminárias de Tom Dixon. Mas há outra área clean e despojada: a sala de ioga, um espaço zen, muito bem-vindo nos tempos atuais. Como se vê, este é um lar contemporâneo de uma jovem família, cult e cool, que conhece a receita para curtir a vida.
* Matéria publicada em Casa Vogue #336 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)