
O destino talvez não nos conceda um de seus sorrisos todos os dias. Em compensação, eventualmente eles podem surgir aos pares. Torcendo pela vinda de um terceiro filho e de namoro eterno com o bairro onde nasceu, o arquiteto Erick Figueira de Mello se deparou com uma casa à venda. E exatamente onde queria, na Gávea, ao lado da construção que um dia ergueu para o tio. Foi nessa época que sua caçula – a terceira de suas três crianças – se pôs a caminho.
E MAIS: A casa de Gagliasso e Giovanna Ewbank

Mas a casa da década de 1930, sem reformas ou manutenção, era inabitável. Erick precisaria lançar mão de toda a sua habilidade profissional, e não apenas pelo estado em que ela se encontrava, já que nada se aproveitaria. O terreno se limitava a apenas 10 m de frente, o que não permitiria grandes arroubos estéticos, e impunha a necessidade de um desenho muito bem pensado.

O projeto concebido para o lote de 320 m² até hoje surpreende quem adentra o hall, para a diversão do arquiteto e morador. “Nossa, que espaço enorme”, admiram-se os convidados de primeira viagem. “Sem colunas e paredes, logo da entrada se avistam as salas e até a varanda.” É mesmo um belo vão fechado por painéis de vidro. Fechado? Ou se poderia dizer aberto por painéis de vidro? O piso de granito branco itaúnas serrano, que cobre todos os três pavimentos, por si só favorece a percepção de que o espaço se desdobra, esparrama-se pelas salas de estar e de jantar, cozinha e varanda, onde a pequena raia acaba em um jardim de folhas adensadas.
VEJA TAMBÉM: Lala Rudge abre sua casa em São Paulo

Esse milagre da multiplicação continua no segundo andar (e ainda há o terceiro), onde foram alocadas as três suítes dos filhos, entre 6 e 16 anos, e a do casal, e ainda uma sala íntima. No quarto do menino, que dá para os fundos do terreno, abre-se uma varanda. “Eu não queria um predinho”, conta. “Preferi uma construção escalonada.” Erguida com estrutura metálica e guarnecida por esquadrias de madeira, ela não parece mesmo um predinho. Tem ar de casa.

O mobiliário veio praticamente completo do apartamento anterior, todos de boa cepa, brasileiros de várias idades. A eles foram se acrescentando uma vizinhança que inclui a poltrona Anel, de Ricardo Fasanello, duas Cosme Velho, de Claudia Moreira Salles, e as Paraty, de Sergio Rodrigues. Já faziam parte da família as Paulistano de couro preto, que Paulo Mendes da Rocha criou em 1957. Todas enobrecem o térreo como se, na ausência de seres humanos, conversassem entre si.

Se para o corpo não faltam peças confortáveis, para os olhos há as obras de arte, a exemplo dos três trabalhos de Amilcar de Castro. Eles são um xodó, mas a aquisição do primeiro foi um momento especial para o arquiteto, como sempre são os inícios que nos arrebatam e que sabemos que terão uma continuidade – da mesma forma que os filhos. Erick conheceu o autor, mineiro como sua mãe, o que explica a proximidade e a admiração.

Da derrubada da antiga casinha à construção desta moradia passaram-se pouco mais de três anos. Agora é a vida que segue, com um irmão trocando de quarto com outro, ou o escritório sendo desalojado para dar lugar a uma sala de ginástica. Uma casa, assim como uma língua viva, está em constante transformação. O importante é que a base seja sólida.
*Matéria publicada em Casa Vogue #362 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)



